Polícia investiga delegado Da Cunha por lavagem de dinheiro após descobrir ‘mesada’ de empresário
A Corregedoria da Polícia Civil de São Paulo instaurou inquérito para apurar suposta lavagem de dinheiro praticada pelo delegado Carlos Alberto da Cunha, 43, (foto) conhecido como Da Cunha, em possível tentativa do policial de ocultar quase R$ 500 mil pagos a ele por empresário do ramo de sucatas.
A polícia investiga se Da Cunha usou pessoas ligadas a ele, como a ex-mulher Camila Rezende da Cunha, e o irmão dela, Lauro Athayde de Freitas Neto, para dissimular supostos repasses mensais de R$ 25 mil feitas por Weber Micael da Silva, proprietário da empresa Lokal Comércio de Metais.
O empresário seria uma espécie de investidor do canal de Da Cunha no YouTube.
Revelado pelo jornal Folha de S.Paulo, o inquérito de lavagem de dinheiro é um desdobramento da investigação que levou ao indiciamento de Da Cunha sob a suspeita de peculato. Os policiais tomaram depoimentos e levantaram informações do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) referentes a inúmeras transações consideradas suspeitas dessas pessoas ligadas a ele.
Procurado pela Folha de S.Paulo, o delegado não quis comentar o assunto. “Não tivemos acesso aos depoimentos que foram prestados em procedimento que corre em segredo de Justiça. Assim, não temos como nos manifestar no presente momento”, disse nota enviada ao jornal.
Um dos depoimentos que mais pesaram na abertura do novo inquérito foi o de Silva, dono da Lokal. Ele disse ter repassado por um ano e sete meses uma mensalidade de R$ 25 mil, ou R$ 475 mil ao todo, como espécie de patrocinador ou investidor do delegado no YouTube.
Da Cunha sempre negou que tivesse monetizado o canal, a não seu ser após seu afastamento da polícia. Ele tampouco mencionou a existência de investidores. Mas, de acordo com as investigações, o delegado chegou a pagar R$ 14 mil mensais a uma equipe particular de filmagem, num período em que seu salário médio ficava em R$ 10.470 líquidos.
Para os policiais, Da Cunha não poderia ter recebido patrocínios desse tipo, em razão do cargo de delegado.
Silva, o dono da Lokal, disse que fez um cordo com Da Cunha pelo qual pagaria os R$ 25 mil mensais até que o canal fosse monetizado. Depois disso, o delegado repassaria a ele pagamentos feitos pelo YouTube. Silva disse que esperava ganhar entre R$ 500 mil e R$ 1 milhão.
De acordo com o depoimento de Silva, os pagamentos foram feitos “por meio de cheques de clientes, que eram entregues a Lauro, cunhado de Carlos Alberto da Cunha”.
Ele disse também que, pelo combinado, o canal seria monetizado quando alcançasse 3 milhões de inscritos. Quando essa cifra foi alcançada, porém, segundo ele afirmou, não recebeu dinheiro de Da Cunha. Silva ainda disse ter ficado sabendo informalmente da monetização do canal do YouTube em maio.
À Corregedoria ele disse que, “em razão de tais fatos, não mantém mais relação de amizade ou mesmo profissional com Carlos Aberto da Cunha”.
Não há no depoimento informações de contrato formal entre Silva e Da Cunha ou de exibição de propagandas da Lokal no canal no YouTube.
Segundo denúncia anônima recebida pela Corregedoria, o dinheiro dado pelo empresário seria, na verdade, pagamento por proteção oferecida pelo delegado. Silva negou que se tratasse disso.
“[…] Que eventualmente, quando ele [Cunha] comparecia utilizando-se de viatura policial, era para tratar de alguma questão referente ao patrocínio”, disse ele no depoimento.
Os policiais apuraram que Da Cunha também repassou à ex-mulher Camila R$ 32.415 em junho deste ano. Segundo ela mesma afirmou aos policiais, um dinheiro do YouTube.
Como foi afastado da polícia apenas no início de agosto, após pedir licença sem vencimentos, essa monetização configura peculato, de acordo com a polícia, porque Da Cunha teria utilizado a estrutura oficial para gravar ações e ter vantagens econômicas.
Como a Folha de S.Paulo revelou, Da Cunha é suspeito de ter simulado prisões para gravar os vídeos. Ele admitiu que fez isso em pelo menos um caso. De acordo com as investigações, também simulou prisões. O policial afastado é suspeito de simular prisões para gravar vídeos.
Ouvida pela Corregedoria, a advogada Camila, ex-mulher do delegado, confirmou que o valor era fruto de monetização do canal do ex-marido, o primeiro recurso vindo dessa forma. Disse ainda que ela sempre ajudou Da Cunha no canal como consultora e que tinha patrocinadores esporádicos.
Camila, conforme testemunhas, foi agredida em setembro de 2014 pelo delegado Da Cunha no meio da rua, após discussão em um bar. Em 2016, ela registrou ocorrência de ameaça contra o policial. Agora, ela nega as agressões e as ameaças. Disse que teve brigas normais de casal.
Sobre as movimentações atípicas apontadas na conta dela, Camila afirmou não ser recordar especificamente de tais movimentações.
“Mas, como as empresas das quais participava estavam em processo de fechamento e acerto de contas, diversas transações eram realizadas inclusive com Carlos Alberto e com seu irmão Lauro, salientando que, com este último, as transações eram decorrentes de valores de seguro de vida de sua genitora”, diz resumo do depoimento.
Lauro deu versão parecida à Corregedoria sobre as movimentações apontadas pelo Coaf. “Assevera que nunca fez nenhum tipo de transferência ao dr. Carlos Alberto da Cunha, esclarecendo que somente fez transferências a sua irmã Camila referente à di visão do seguro de vida e quitação de imóvel de sua genitora”, diz trecho do resumo do depoimento.
Procurados, Camila e Lauro não quiseram comentar o assunto.
A Polícia Civil deve pedir agora a quebra de sigilo de todos os envolvidos para confirmar se houve mesmo lavagem de dinheiro ou se as movimentações financeiras têm justificativa. Também deve ouvir mais testemunhas dos supostos pagamentos feitos por empresários ao delegado youtuber.
A suposta ‘mesada’ recebida pelo delegado pode ajudar a explicar, segundo a polícia, como Da Cunha conseguia manter um padrão de vida muito superior aos ganhos dele na polícia.
Da Cunha também é alvo de inquérito do Ministério Público que apura possível enriquecimento ilícito. Para os promotores, o uso da estrutura estatal para proveito pessoal pode configurar improbidade administrativa. O delegado nega enriquecimento ilícito e já disse que até o IPVA está atrasado.(Rog´rio Pagnan – Folhapress)