Descontinuação dos Contratos de Ouro à Vista na B3: Contexto Regulatório e Impactos em relação às Promoções Comerciais
No dia 16 de fevereiro, a negociação dos Contratos de Ouro à Vista será encerrada nos ambientes gerenciados pela B3 S.A. – Brasil, Bolsa, Balcão. A descontinuação, anunciada em outubro de 2023 por meio do Ofício Circular 169/2023-PRE, foi atribuída à evolução do mercado de capitais brasileiro, que dispõe de produtos vinculados ao ouro mais adequados aos investidores, como os ETFs (Exchange-Traded Fund) e BDRs (Brazilian Depositary Receipt) de ETF.
De fato, os dados históricos das cotações do lote padrão (250g) dos Contratos de Ouro à Vista (OZ1D) evidenciaram uma demanda recorde em 2020, decorrente da pandemia do Covid-19, que levou investidores a buscarem segurança na reserva de valor oferecida pelo ouro, a qual, contudo, foi seguida por uma queda notável, que coincidiu com o lançamento dos primeiros fundos de índice vinculados ao ouro no Brasil, alguns dos quais, por sua vez, apresentam tendências de crescimento consistente, o que evidencia a menor atratividade dos Contratos de Ouro à Vista para os investidores.
A decisão de descontinuar a negociação desse produto segue a tendência de desmaterialização dos investimentos no mercado de capitais brasileiro. Isso significa que a B3 está mudando sua abordagem, reduzindo o seu portfólio de “bolsa de mercadorias”, em que são negociadas commodities, e expandindo a sua atuação como “bolsa de valores”, focando em títulos e valores mobiliários.
Além disso, a negociação de ouro é um tema regulatório de relevância internacional, que já vinha recebendo atenção do Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (GAFI/FATF) há alguns anos e, mais recentemente, também passou a receber maior atenção do Banco Central do Brasil (BCB).
Isso porque, o comércio de ouro, desde sua extração, pode seguir diferentes ramificações o que, a depender do cenário, pode trazer certas obrigações e responsabilidade àqueles que o realizam. Tratando-se de garimpo, o caminho adequado do metal destinado à negociação como ativo financeiro tem início em sua extração por garimpeiros ou cooperativas de garimpo, com a posterior venda junto a um posto de compra de ouro (PCO), que é uma dependência de uma instituição financeira que adquire o ouro bruto e posteriormente realiza a venda do ouro como ativo financeiro.
Ocorre que, de acordo com a Lei nº 12.844/2013, há uma presunção da legalidade da origem e da boa-fé da instituição adquirente do ouro, contudo, esta disposição teve sua eficácia suspensa por decisão liminar proferida em Ação Direta de Inconstitucionalidade que a questiona, a qual determinou que o Poder Executivo editasse os atos normativos necessários para combater a compra de ouro extraído ilegalmente, em especial de terras indígenas e áreas destinadas à proteção ambiental.
Nesse contexto, para cumprimento de tal decisão e em linha com as diretrizes regulatórias de governança vigentes, especialmente em responsabilidade social, ambiental e climática, o BCB editou a Instrução Normativa nº 406/2023, que determina expressamente o fim da presunção de legalidade do ouro adquirido e da presunção de boa-fé da pessoa jurídica adquirente. A norma resultou da colaboração entre as áreas de regulação e supervisão do BCB, buscando mitigar o desmatamento associado à mineração ilegal, como declarado pela autoridade na última edição de seu Relatório de Riscos e Oportunidades Sociais, Ambientais e Climáticos.
Assim, a negociação do ouro ativo financeiro passou a representar um ônus e responsabilidades adicionais às partes envolvidas na negociação desse produto, o que, por si só, leva a uma reavaliação sobre o interesse comercial nesse tipo de operação.
Destaca-se, como consequência do encerramento da negociação de Contratos de Ouro à Vista nos ambientes da B3, a considerável repercussão de seu anúncio no mercado de promoções comerciais. Isso porque tais instrumentos são frequentemente utilizados como forma de premiação, conforme autorização prevista no Decreto nº 70.951/1972, contornando a vedação à entrega de prêmios em dinheiro.
Muitas vezes os regulamentos das promoções comerciais indicam que a premiação será entregue por meio de “certificados de ouro” ou “certificados de barras de ouro”, o que pode designar tanto os Contratos de Ouro à Vista cuja negociação será encerrada quanto o ouro ativo financeiro negociado diretamente junto a instituições financeiras autorizadas para tanto.
Com efeito, as empresas habituadas a utilizar Contratos de Ouro à Vista como forma de premiação em Promoções Comerciais não poderão mais se valer destes instrumentos negociados na B3. Vale destacar, contudo, que segue sendo possível efetuar a compra de ouro ativo financeiro diretamente junto a instituições financeiras que atuam no segmento, como alguns bancos, corretoras e distribuidoras de títulos e valores mobiliários.
Em razão de todas as mudanças, é importante monitorar o desenvolvimento do arcabouço regulatório relacionado à negociação de ouro, uma vez que o tema está recebendo atenção no âmbito nacional e internacional, especialmente com a difusão da agenda ESG, devendo, ainda, haver o acompanhamento dos reflexos que essas mudanças trarão ao cenário de promoções comerciais no Brasil.
Por João Henrique Batista Pereira Leite, advogado da área de Bancário, Meios de Pegamento e Fintechs.
Karine Oliveira, sócia da área de Bancário, Meios de Pegamento e Fintechs.
Marcelo Vaz, advogado da área de Bancário, Meios de Pegamento e Fintechs.
Maria Fernanda Assad, sócia da área de Promoções Comerciais
Foto: Pexels
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