Brasil pode se beneficiar dos efeitos da guerra, diz presidente do Banco Central
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto (foto), disse nesta quarta-feira que o Brasil pode se beneficiar dos efeitos do choque da guerra envolvendo Rússia e Ucrânia se o país tiver fertilizantes para a produção de alimentos, com a alta dos preços. Essa é a primeira vez que o presidente da autoridade monetária se manifestou publicamente sobre o conflito no leste europeu.
“O Brasil não se inseriu nas cadeias globais de valor durante grande parte do período de especialização, e temos agora oportunidade com a redivisão das cadeias globais para estarmos muito mais presentes. Há uma oportunidade secular para o Brasil, se tiver as políticas certas, para entrar nas cadeias globais de valor. O que está acontecendo no mundo é grande oportunidade para o Brasil”, concluiu o presidente do BC.
Ao participar de evento promovido pelo TCU (Tribunal de Contas da União) e pela Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), Campos Neto disse que o conflito entre Rússia e Ucrânia resultou em uma grande crise energética mundial, intensificando os problemas da pandemia.
O conjunto de sanções dos países contra a Rússia, disse, é o maior da história, e isso traz implicações para todo o mundo.
Assim, completou Campos Neto, a crise energética fica mais intensa, já que os grandes países da Europa dependem do gás russo. “Isso está sendo colocado em teste agora. “O mundo sairá polarizado no fim do conflito”, afirmou o presidente do BC. “Há um redesenho das cadeias globais, é um movimento importante e duradouro. Haverá um mundo mais polarizado, com divisão entre empresas privadas.”
O impacto no curto prazo, segundo ele, será o aumento dos desafios na transição para uma economia verde, com maior incentivo para utilização de fontes alternativas. O mais importante, disse ele, será o redesenho das cadeias globais.
“Há empresas que querem diversificar os contratos, o que significa mais custo e menos eficiência”, declarou o presidente do BC. “Isso representa para o mundo um período relativamente longo de menos crescimento e mais inflação”, afirmou o presidente do BC.
Campos Neto voltou a prever que o pico da inflação em 12 meses ocorrerá em abril deste ano e afirmou que o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) passará a recuar a partir de então. De acordo com os analistas de mercado ouvidos semanalmente pelo BC na Pesquisa Focus, a inflação deve ter alta de 0,99% em março e 0,88% em abril. Para maio, porém, os economistas esperam uma deflação de 0,2%.
“Falando em inflação brasileira, devemos chegar ao pico em abril, e voltar a cair. Estimamos que o número de curto prazo seja até um pouco mais alto do que tínhamos imaginado inicialmente”, afirmou o presidente do BC.
Campos Neto enfatizou que o Brasil tem se diferenciado de outros países no combate à inflação, com um movimento mais forte de aperto monetário. Na semana passada, o Comitê de Política Monetária (Copom) elevou a Selic (a taxa básica de juros) em 1 ponto porcentual, para 11,75% ao ano e indicou uma nova alta de mesma magnitude na reunião de maio.
“O Brasil tem sido mais atuante em uma inflação que entendemos ser mais persistente. A inflação contaminou os núcleos e hoje está acima da meta em serviços, comércio e indústria. Precisamos endereçar esse problema com serenidade e firmeza”, completou Campos Neto.
Na véspera da divulgação do RTI (Relatório Trimestral de Inflação) com novas projeções do BC para o PIB (Produto Interno Bruto) deste ano, Campos Neto adiantou que a instituição está com um número melhor que o do mercado para a atividade. No último Focus, os analistas projetaram um crescimento de 0,5% em 2022.
“Estamos com um número um pouco maior que o mercado de crescimento. Os números na ponta estão surpreendendo para cima. Temos crédito subindo em dois dígitos mesmo com os juros crescendo e a parte de investimentos no Brasil está com fluxo positivo desde o início do ano”, argumentou.
Sobre a questão fiscal, que era o tema do seminário, Campos Neto lembrou que não cabe ao BC fazer política fiscal, mas ressaltou que a calibragem da política monetária depende também do resultado das contas públicas. “Vemos uma grande melhora no curto prazo do fiscal. O aumento dos preços das commodities melhora o fiscal da União e dos Estados, porque melhora a arrecadação. O resultado primário surpreendeu e continua positivo no curto prazo. E existem questões sobre a sustentabilidade do fiscal no longo prazo.” (Eduardo Rodrigues e Guilherme Pimenta – Folhapress/Foto: Marcelo Camargo- Agência Brasil)