‘Blá-blá-blá’ dos EUA sobre invasão russa na Ucrânia completa um mês
Em uma de suas fábulas, Esopo conta a história de um jovem pastor de ovelhas que, entediado com a monotonia de cuidar do rebanho, distraía-se inventando histórias sobre ataques de lobos. A brincadeira funcionou uma, duas, três vezes, nas quais os camponeses corriam em auxílio do pastor que os recebia às gargalhadas.
A mentira perdeu a graça no dia em que se tornou verdade. Quando um temido lobo feroz de fato atacou as ovelhas, os pedidos de socorro do pastorzinho foram recebidos com incredulidade -e o predador encheu a pança.
Fábulas e morais à parte, os reiterados alertas dos Estados Unidos contra uma suposta invasão russa na Ucrânia soam aos ouvidos mais críticos como alarmistas. Invasão “iminente” e “a qualquer momento” são cenários desenhados pela comunicação oficial da Casa Branca, há um mês, para a crise russo-ucraniana.
A fervura da crise aumenta e diminui, mas o governo americano apresenta poucas evidências da iminência de um ataque russo.
A insistência na estratégia é criticada mesmo por aliados e coloca Joe Biden (foto) no papel de ter de justificar a urgência, enquanto o presidente da Rússia, Vladimir Putin, mantém, sem pressa, movimentos de tropas que, na teoria e na prática, não cruzam linhas vermelhas.
Em meados de novembro, quando as ações militares começaram a chamar a atenção do Ocidente, o que estava em jogo nem era a Ucrânia, mas a crise de refugiados na fronteira entre a aliada russa Belarus e a Polônia, membro da Otan (aliança militar ocidental).
Em dezembro, os EUA se ocuparam mais em externar preocupações e possíveis sanções aos russos. Mesmo no começo de janeiro, o discurso tratava de desdobramentos apenas “possíveis”. Jake Sullivan, assessor de Segurança Nacional da Casa Branca, disse no dia 13 do mês passado que não havia ilusões no governo americano sobre quais seriam “as perspectivas de um potencial conflito e uma potencial escalada militar da Rússia”. Ele também evitou falar em “probabilidades”.
O discurso mudou cinco dias depois, quando a porta-voz de Biden, Jen Psaki, disse em entrevista coletiva: “Sejamos claros: nosso entendimento é de que essa situação é extremamente perigosa. Nós estamos agora em um estágio em que a Rússia poderia, a qualquer momento, lançar um ataque à Ucrânia.”
A partir de então, foram ao menos outras 15 comunicações oficiais em que o cenário previsto pelos americanos era de invasão “a qualquer momento” -incluindo duas datas cravadas, 16 e 20 de fevereiro- ou “iminente”, palavra usada no dia 25 de janeiro por Psaki. Questionada sobre eventuais mudanças de entendimento, a porta-voz foi enfática: “Bem, iminente tem um significado bem intenso, não?”
Em que pesem os atritos dos últimos dias no território ucraniano ocupado por rebeldes pró-Kremlin -relativamente comuns desde o cessar-fogo de 2014, mas agora em um “timing” muito mais delicado- a insistência na versão de invasão russa iminente por tanto tempo começa a se desgastar e gerar desconfianças sobre a motivação real dos EUA na crise.
No começo de fevereiro, por exemplo, quando questionado se havia provas de um suposto vídeo falso sendo produzido por Putin para justificar a invasão, o porta-voz do Departamento de Estado, Ned Price, respondeu a um repórter que, se ele duvidava do governo americano, que buscasse “consolo nas informações que os russos estão divulgando”. (Guilherme Botacini – Folhapress)