Biden deve aproveitar ausência de Xi e Putin para reforçar imagem no G20
Não falta contradição nas prioridades da pauta que será discutida em Roma pelos líderes das 19 maiores economias do mundo mais a União Europeia, o chamado G20. A crise do clima e o custo da energia são dois desses temas que tracionam o cabo em direções opostas.
EUA, China, Índia e Rússia estão sendo convocados a cortar mais rapidamente suas emissões de gases poluentes para impedir uma catástrofe ambiental. Com o mesmo argumento, países europeus defendem o fim do subsídio para combustíveis fósseis.
Mas a energia que move grandes economias do G20, além de ser ainda bastante dependente do petróleo, vive um pico de preço que já afeta os índices de popularidade dos políticos.
Em Roma, o presidente Joe Biden (foto) estará na mesma sala que a Arábia Saudita e pode pressionar por um aumento na produção e na oferta do óleo, para barateá-lo –uma reunião da Opep, o grupo de países produtores de petróleo, acontece logo na semana seguinte.
É tudo o que não querem os ambientalistas, mas o governo americano já afirmou que o custo da energia pode minar outra das prioridades do G20, a recuperação econômica, que, por sua vez, está neste ano muito ligada à saúde pública. A pandemia de Covid não acabou, há ondas desencontradas ao redor do globo e forte desigualdade na distribuição de vacinas.
O G20 estuda promover um grupo que deixe o mundo mais preparado para as novas pandemias que, dizem cientistas, são inevitáveis. É um bom plano para o futuro, mas a OMS (Organização Mundial da Saúde) quer que agora eles se comprometam com imunizar os países pobres.
Em carta assinada por várias personalidades políticas internacionais, entre as quais o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o ex-premiê britânico Gordon Brown afirmou que países desenvolvidos do G20 têm estocados 240 milhões de doses e sugeriu um plano concreto para redirecioná-los globalmente.
Verbas para essas ações, assim como as que financiam energia limpa ou recuperação econômica, saem do mesmo cofre, e cada membro do grupo heterogêneo puxa a sardinha para o que mais lhe convém.
A reunião não é, de qualquer forma, uma instituição formal, e eventuais posicionamentos não têm consequência prática imediata. Sua importância é sinalizar para onde estão soprando os ventos políticos.
Neste ano, a direção mais observada será a dos Estados Unidos, já que esta é a primeira cúpula do G20 na era pós-Trump, e o presidente Joe Biden tem como um de seus bordões a importância do multilateralismo.
Sobrarão ainda mais holofotes para o líder americano porque outras estrelas desse tabuleiro global, como o líder da China, Xi Jinping, e o presidente da Rússia, Vladimir Putin, não estarão presentes.
O governo chinês será representado por seu ministro das Relações Exteriores, Wang Yi, e Xi, que não viajou para o exterior desde o início da pandemia de coronavírus, deve participar remotamente.
Como plataforma da nova política externa americana, que ao menos em teoria está mais multilateral, Biden deve anunciar o apoio dos líderes ao imposto corporativo mínimo global, já costurado pelos ministros das áreas econômicas após anos de discussão na OCDE.
Também se espera algum anúncio das grandes potências em relação à crise climática, já que os países do G20 são responsáveis por 80% das emissões globais de gás carbônico.
Negociações e definições de efeito concreto sobre esse tema, contudo, estão reservadas para a COP26, conferência da ONU que acontece logo depois do G20, em Glasgow, na Escócia, aonde Biden também irá.
Em Roma, segundo o governo dos EUA, as outras prioridades do presidente devem ser os preços de energia e a reconexão e fortalecimento das cadeias de abastecimento, que afetam diretamente os americanos, principalmente a classe média trabalhadora.
Essa será a segunda viagem internacional de Biden, que aproveitará para se encontrar com o papa Francisco nesta sexta (29) –o líder americano é católico praticante. A estadia pode ser também uma oportunidade para desanuviar o mal-estar com o presidente da França, Emmanuel Macron, criado pela negociação de uma venda de submarinos para a Austrália, que frustrou negócio anterior dos franceses.
O fórum de prevenção a futuras pandemias, ideia também apresentada pelos EUA junto com a Indonésia, deve ter mais espaço na reunião de ministros da Saúde e das Finanças, que ocorre também em Roma.
Do lado brasileiro, a redução de subsídios em setores como o agropecuário deve ser uma das prioridades, segundo Sarquis José Sarquis, secretário de Comércio Exterior e Assuntos Econômicos do Itamaraty.
Para ele, alguns programas de apoio doméstico de grandes economias da União Europeia e de EUA, China e Índia “acabam distorcendo condições de mercado e reduzindo preços de forma artificial, o que faz com que países competitivos em alimentos, como Brasil e Argentina, não se beneficiem desses mercados”.
Embora o Brasil tenha sido um dos países que se opôs, na Organização Mundial do Comércio, à retirada de direitos de propriedade intelectual sobre vacinas, como pedia um grupo de mais de cem nações, Sarquis afirmou que o governo vai defender “a universalização do acesso às vacinas, como bens públicos”, e o investimento na produção de imunizantes e insumos farmacêuticos em países em desenvolvimento.
O presidente Jair Bolsonaro participa da reunião, assim como os ministros da Economia, Paulo Guedes, e das Relações Exteriores, Carlos França. O líder brasileiro chega a Roma nesta sexta e se encontra com o presidente italiano, Sergio Mattarella, no Palácio do Quirinal.
Após a participação na cúpula, durante o final de semana, Bolsonaro deve ir na segunda-feira (1º) à comuna de Anguillara Veneta, onde o bisavô dele nasceu, para receber o título de cidadão honorário. No dia seguinte, a programação divulgada pelo Itamaraty prevê a participação em uma cerimônia em memória dos militares brasileiros que morreram durante combates na Segunda Guerra, em Pistoia.
As cúpulas anuais do G20 acontecem desde 2008 e reúnem África do Sul, Alemanha, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, Coreia do Sul, EUA, França, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Reino Unido, Rússia e Turquia. (Ana Estela de Sousa Pinto – Folhapress)