Unicef cobra apuração da polícia sobre yanomamis desaparecidas em RR
O Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) pediu que a Polícia Federal dê continuidade às investigações sobre a denúncia de que uma adolescente yanomami de 12 anos e uma criança de quatro anos desapareceram da comunidade Aracaçá, na região de Waikás, na terra indígena Yanomami, em Roraima.
A denúncia foi feita pelo presidente do Condisi-YY (Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kwana), Júnior Hekurari Yanomami, há dez dias. Segundo a PF, as investigações não encontraram indícios de estupro e morte da adolescente, como diz a denúncia, após inspecionar o local da aldeia. O espaço foi encontrado queimado, sem os yanomamis –lideranças indígenas afirmaram que esses povos têm a tradição de queimar e evacuar o lugar onde moram se algum parente morre.
Na nota, a agência da ONU diz lamentar a violência sofrida pelas crianças e pelo povo yanomami e faz um apelo às autoridades brasileiras para que apurem a denúncia, identifiquem e responsabilizem com urgência os responsáveis.
“O Unicef lamenta cada vida interrompida e expressa a sua solidariedade com o povo yanomami. O presente relato soma-se a uma série de outros atos de violência contra crianças e adolescentes indígenas, incluindo a violência sexual, cometidos por garimpeiros que atuam de forma ilegal em Terra Yanomami”, diz o comunicado.
A Unicef afirma ainda que é necessário “assegurar a proteção e a prevenção de todos os tipos de violência contra as crianças e os adolescentes indígenas” e meios imediatos de proteção dos territórios indígenas.
A Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) e artistas encamparam nas redes sociais uma campanha questionando “Cadê os yanomami”.
Os ministros Cármen Lúcia e Luiz Fux falaram do caso durante sessão do STF (Supremo Tribunal Federal), no dia 29 de abril. Fux classificou a denúncia como “gravíssima” e Cármen Lúcia afirmou que mulheres indígenas são massacradas sem que a sociedade e o Estado tomem providências eficientes e pediu investigação rigorosa.
As reações exigindo investigações ocorreram após nota conjunta da PF, MPF (Ministério Público Federal) de Roraima e Funai (Fundação Nacional do Índio) indicar não haver indícios dos crimes relatados.
O presidente do Condisi-YY, Júnior Hekurari Yanomami, no entanto, mais uma vez pelas redes sociais, expôs vídeos e fotos mostrando a aldeia queimada.
Ele também disse que após algum tempo no local tiveram contato com indígenas que relataram ter recebido ouro em troca de silêncio sobre o que ocorreu na aldeia. Num dos vídeos, Júnior reclama que se as investigações esperam encontrar corpo para investigar um assassinato de indígena deveriam saber que é da tradição do povo yanomami cremar os corpos de mortos.
O vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami (HAY), Dario Kopenawa Yanomami, afirmou que também está buscando formas de investigar a denúncia, mas esbarra nas dificuldades de acesso na região. A Hutukara publicou em abril o relatório “Yanomami Sob Ataque: Garimpo Ilegal na Terra Indígena Yanomami e Propostas para Combatê-lo”
“A gente está apurando antes de falar com a imprensa. Nossos parentes fugiram, queimaram a casa e a gente está tentando achar eles. Temos que ouvi-los e pegar esclarecimentos sobre isso”, disse.
Dario reclama sobre a falta de investigação das autoridades e que as violações contra os yanomami e as violências contra crianças indígenas ocorrem há anos e a sociedade sabe disso. “As invasões se intensificaram há cinco anos no território yanomami”, disse.
Maurício Iximaweteri Yanomami, que está na Europa participando de ciclos de palestras para falar sobre a condição do território, afirmou que é costume deste povo indígena receber a informação do óbito e fazer a cremação para proceder com os rituais e tradição dos yanomami.
Maurício Yanomami disse que os grupos indígenas mudam de local por causa de conflitos com indígenas e com invasores não-indígenas de seus territórios. “Se homens brancos invadem, matam, yanomami se reúne para poder mudar outro lugar. Evitar de atacarem todo mundo. Fica escondido em outro lugar”, disse.
O representante da Secoya (Associação Serviço e Cooperação com o povo Yanomami do Amazonas) afirma que a tentativa de coibir crimes contra os indígenas não terá efeito com ações pontuais. “Tem um quadro posto que revela falta de vontade política do governo para resolver. Precisa de novos pontos de vigilância e fortalecimento de vigilância nos que já existem na terra indígena.”
O ex-superintendente regional da Polícia Federal no Amazonas, Mauro Sposito, afirma que, em que pese todo o contexto e realidade de violência contra os povos indígenas, os órgãos de segurança precisam ter a responsabilidade de evitar fortalecer denúncias infundadas. “Não se pode permitir politicagem de nem um lado sobre os fatos”.
O delegado aposentado da PF afirmou também que a realidade de investigação na Amazônia é completamente diferente de outros locais. “Você caminhar no meio da selva é diferente de andar de carro numa cidade. São fatores logísticos e geográficos que afetam e muito”, disse.
O professor doutor em Sociologia da UEA (Universidade do Estado do Amazonas) e Coordenador do Nesam (Núcleo de Estudos Socioambientais da Amazônia), Pedro Rapozo, avalia que o não avanço sobre o caso, neste momento, esbarra em três pontos.
São eles: uma denúncia sem provas materiais, a desestruturação dos órgãos de fiscalização e proteção de indígenas e a condição de violência e invasão do território yanomami. Com base neste contexto, nada pode ser confirmado e nem descartado. Uma das deficiências é a ausência de profissional especializado na cultura do povo yanomami como parte da investigação.
Rapozo acrescenta que facções criminosas atuam na região e estão cada vez mais se profissionalizando no narcotráfico e em crimes ambientais diante da ausência do estado. Para ele, todos esses fatores expõem a vulnerabilidade dos indígenas e a fragilidade das instituições.
“São inúmeras áreas com vazios institucionais. Ausência do Estado em regiões de fronteiras, territórios indígenas e um processo de profissionalização dessas redes de narcotráfico na Amazônia. Enquanto Sesai e PF carecem de recurso mínimo, há dragas de garimpo nos territórios indígenas que custam milhões”, afirmou.
Procurada pela reportagem, a PF de Roraima informou que segue com as investigações, que as informações permanecem as mesmas da nota anterior que diz não ter identificado indícios de estupro e morte após a visita à aldeia.
O Ministério Público Federal de Roraima informou que acompanha as investigações da PF e aguarda a conclusão do inquérito. O órgão avalia que a investigação não seja concluída em poucos dias.
(Rosiene Carvalho – Folhapress/ Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)