Trabalhadores dormem na fila em busca de vaga no Mutirão do Emprego

Trabalhadores dormem na fila em busca de vaga no Mutirão do Emprego

A expectativa para conseguir uma ocupação com carteira assinada fez a faxineira Roseli Aparecida Mariano Cavalcanti, 57 anos, dormir na fila em busca de uma vaga no Mutirão do Emprego do Sindicato dos Comerciários, realizado nesta segunda-feira (16), das 8h às 17h, no vale do Anhangabaú, região central da capital paulista.
Fazendo bicos na limpeza de banheiros, na qual ganha R$ 50 por 12 horas de trabalho, Roseli quer mudar de vida. Ela chegou ao local às 19h do domingo (15) e era a primeira de uma fila que, às 8h, tinha cerca de mil trabalhadores. “Dormi sentada, no frio, e fiquei pensando no quanto é difícil para quem precisa viver na rua.”
A espera valeu a pena. Roseli conseguiu a vaga de emprego tão desejada, após dois anos de severo desemprego, período em que precisou ser ajudada por outras pessoas. “Sempre tem um que ajuda, mas a gente quer trabalho, não quer ficar dependendo de ninguém”, afirma.
Conhecido por suas longas filas, o feirão de vagas recebeu, neste primeiro dia, menos participantes do que em edições anteriores. Mesmo assim, até as 9h, 1.200 senhas já haviam sido distribuídas. Em ocasiões anteriores, esse número chegou a 3.000. O balanço final, no entanto, aponta um total de 3.600 senhas distribuídas nesta segunda.
Ao todo, estão sendo oferecidas mais de 11 mil vagas em diversos setores. Há oportunidades para operador de caixa, motorista, ajudante de cozinha, faxineiro, auxiliar de logística e analista de recursos humanos, entre outros, mas a maioria é na área de telemarketing. Os salários são a partir de R$ 1.500. Nesta terça (17), mais 1.200 trabalhadores serão atendidos e, na quarta (18), outros 1.200.
“Quem estiver em busca de uma vaga, o lugar é esse e a hora é agora. Todos que vierem até a sede do sindicato nesta semana serão atendidos”, afirma Ricardo Patah, presidente do Sindicato dos Comerciários e da UGT (União Geral dos Trabalhadores). O atendimento aos trabalhadores será feito até sexta-feira (20), das 8h às 17h, na rua Formosa, 99, ao lado da estação Anhangabaú do metrô. É preciso levar documentos pessoais e currículo.
Para Patah, o menor número de trabalhadores na fila em comparação a outras edições do feirão reflete a atual situação de dificuldade pela qual o país passa. O sindicalista diz que muitos não conseguem comparecer porque estão sem dinheiro para pagar a passagem de ônibus ou metrô, além de mostrar o desalento dos desempregados.
“São várias questões. Esse é o primeiro mutirão depois da pandemia, fizemos outros, mas online. Além disso, as pessoas não têm dinheiro para a passagem e há outra situação muito grave que é o desalento”, afirma.
Dados da Pnad (Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios) Contínua, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), mostram que o país tinha, no primeiro trimestre deste ano, 4,6 milhões desalentados. O desalento corresponde a situação de pessoa que estão disponíveis para trabalhar, mas deixam de procurar emprego porque não conseguem trabalho, não têm experiência, são muito jovens ou idosas ou não encontram nenhuma vaga em sua localidade.
FEIRÃO OFERECE CURSOS DE QUALIFICAÇÃO
Com o desemprego ainda alto -a taxa do primeiro trimestre deste ano está em 11,1%- o mutirão conta também com a oferta de cursos de qualificação. Ao todo, há 1.200 vagas para cursos, segundo Marina Bragante, secretária executiva da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Econômico de São Paulo.
Marina acredita que oferecer oportunidade de qualificação é importante neste momento no qual os trabalhadores estão passando muito tempo desempregados, ouvindo diversos “nãos”, o que afeta a autoestima e leva ao desalento. “Muita gente está há muito tempo desempregada e não se acha capaz. A qualificação é uma oferta concreta e um reforço da certeza de que o profissional tem algo a entregar”, diz.
TRABALHADORES QUEREM OPORTUNIDADES
Diversos eram os rostos, as histórias e as expectativas na fila em busca de uma vaga de emprego. Trabalhadores mais velhos querem voltar a ter carteira assinada para conseguir se aposentar, mulheres buscam criar seus filhos com mais dignidade e há os jovens à procura da primeira vaga, querendo dar um futuro melhor a quem os criou.
A desempregada Odisseia de Jesus Ferreira, 36, culpa o governo federal pela atual situação desemprego. Moradora da zona norte, vive com os pais e a filha de 15 anos. Desempregada desde 2021, diz que seu pai é que sustenta a casa, com a aposentaria que recebe.
“Ele paga todas as contas e não sobra um centavo para ele. Os preços estão absurdos, a gente não pode comer carne nem trabalhar de Uber, com o valor da gasolina. Os políticos não fazem nada pela gente. As pessoas esquecem, mas não podemos esquecer”, diz Odisseia.
Jéssica Soliara Moreira, 31, afirma querer uma oportunidade que lhe traga esperança e mostre para a filha de 11 anos que vale a pena estudar e investir no futuro. Negra, ela diz que as vagas oferecidas aos negros são sempre na limpeza. “Queria mais oportunidades, sempre trabalhei na limpeza e não estou desmerecendo, mas eu também posso fazer mais”, diz.
Ela terminou o ensino médio por meio do ensino de jovens e adultos, após ter certificado por meio do Encceja (Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos), e diz que faz de tudo para dar uma vida melhor para a filha, que perdeu o pai em 2021 e não recebe pensão, pois ele havia parado de contribuir com o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) há muitos anos. “Somos só eu ela. Fiquei órfã aos cinco anos, não tenho ajuda.”
Raimundo Nonato Rodrigues Pereira, 58, morador de Ferraz de Vasconcelos (Grande SP), era o segundo da fila. Está há cinco anos fazendo bicos e diz que, mesmo com tanta gente no feirão, tem a expectativa de sair empregado. Ao seu lado, Adilson Coelho, 56, trabalhou como encarregado de produção e na manutenção e limpeza. Desempregado há dois anos, diz que precisa de um trabalho com carteira assinada para se aposentar.
“Tenho 30 anos de carteira assinada, faltam cinco para eu me aposentar. Paguei aplicativo de emprego e não consegui nada. Quem paga as contas em casa são minha mulher e minha filha. A minha parte era fazer a compra do mês, mas nem isso consigo mais.”
A estudante Evelyn Souza Assis, 19, largou a faculdade por falta de dinheiro. Ela diz que não estava gostando muito do curso e, sem renda, não tinha como continuar pagando. Foi ao mutirão acompanhada da avó, Silvia Ambrósio, na expectativa de conseguir o primeiro emprego.
“Eu quero, um dia, abrir meu próprio negócio. Enquanto não consigo, preciso trabalhar, ter humildade para trabalhar para os outros, aprender e, no futuro, dar uma vida melhor para minha vó.” Ela busca vaga de telermarketing e, como tem qualificação, poderia sair do mutirão empregada.
Luana Vanessa Gomes dos Santos, 29, cria sozinha os três filhos, de 11, sete e um ano e quatro meses. A renda da família hoje é composta apenas pelo Auxílio Brasil de R$ 400, que ela usa para pagar o aluguel, mas está para ser despejada, pois tem utilizado o dinheiro também para pagar outras contas.
Há sete anos sem conseguir um emprego com carteira assinada ela diz que, no ano passado, chegou a tentar suicídio, mas conseguiu ajuda e está se recuperando. Luana aposta nas eleições para mudar o quadro. “O país está afundando. Se a gente escolher bem, as coisas vão melhorar e eu vou arrumar trabalho.”
O vigilante Marco Antônio Marques de Sousa, 49, está há um ano desempregado, depois de passar dois anos e meio em uma grande empresa. Para sobreviver, faz bicos e vendia pimenta na rua, mas foi roubado. Levaram seu celular e a mercadoria. Precisou vender itens de sua casa para comprar um novo celular e continuar na busca por recolocação. Casado, sua mulher é quem arca com as despesas da casa e do filho. Segundo ele, a ansiedade está alta. “Estou ansioso e com expectativa de conseguir algo.”
MUTIRÕES JÁ REUNIRAM QUASE 80 MIL TRABALHADORES
A expectativa para a edição do Mutirão do Emprego deste ano é receber entre 10 mil e 12 mil candidatos. Na última edição presencial, a quarta do mutirão, foram oferecidas 4.000 vagas para um total de 8.478 participantes. Ao todo, 2.800 foram contratados.
Segundo dados do Sindicato dos Comerciários, os primeiros quatro mutirões feitos de forma presencial no Anhangabaú reuniram 78.870 trabalhadores. Ao todo, foram oferecidas 22.680 vagas, mas somente 12.650 pessoas saíram empregadas. O motivo é a falta de qualificação profissional.

(Folhapress/ Foto: Alexandre Maraetti/Futura Press/Estadão Conteúdo)

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