Suspeita de interferência de Bolsonaro aumenta pressão por CPI do MEC
Com uma assinatura a mais que o mínimo necessário, a oposição no Senado ainda tenta engrossar com ao menos mais dois nomes o requerimento para criação de uma CPI sobre as suspeitas que envolvem o Ministério da Educação.
A ideia é ter força suficiente para pressionar o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), a não segurar a instalação do colegiado, como fez com a CPI da Covid no ano passado, que só foi instalada por ordem do STF (Supremo Tribunal Federal).
O entendimento é que as suspeitas de interferência do presidente Jair Bolsonaro (PL) nas investigações ajudaram a aumentar essa pressão sobre o chefe do Senado.
Os oposicionistas também tentam evitar que haja defecções de nomes que já assinaram a lista, como o do senador Alexandre Giordano (MDB-SP), um dos últimos a defender a criação da comissão investigativa. Ao mesmo tempo, a bancada do governo tenta desidratar as intenções dos opositores sugerindo a instalação de CPI que investigue suspeitas relacionadas aos governos do PT.
A possibilidade de instalação de uma CPI do MEC ganhou força após a prisão, na última quarta-feira (22), do ex-ministro da Educação Milton Ribeiro, suspeito de beneficiar um balcão de negócios de pastores que gerenciava liberação de verbas da pasta.
Até o momento, 28 senadores já assinaram o requerimento para que haja a CPI. O mínimo necessário é 27. A ideia é que o pedido seja protocolado nesta terça-feira (28).
Pacheco tem indicado que vê com ressalvas a instalação de uma comissão sobre o tema. Ele afirmou considerar que a proximidade do período eleitoral “prejudica o escopo de uma CPI”. Além disso, afirmou que a prisão de Ribeiro foi um “fato relevante”, mas não “determinante” para a abertura da comissão.
Essas falas, porém, foram feitas antes da divulgação de uma escuta em que o ex-ministro afirma à filha ter recebido um telefonema de Bolsonaro no qual o chefe do Executivo teria indicado que haveria busca e apreensão por parte da PF.
No ano passado, Pacheco segurou por mais de dois meses a instalação da CPI da Covid e leu o requerimento apenas após decisão do STF. Desta vez, ele não deve se posicionar oficialmente a respeito do tema da CPI do MEC até a medida estar protocolada.
“Tenho certeza que ele [Pacheco] irá [instalar a comissão]”, diz Randolfe Rodrigues (Rede-AP), líder da oposição no Senado. “O presidente Pacheco é um constitucionalista. Como constitucionalista que é, ele sabe que comissão parlamentar de inquérito é direito constitucional de minoria”, afirma.
Segundo ele, todos os pré-requisitos para a instalação da comissão estão presentes: o número de assinaturas, a previsão do tempo de funcionamento e o fato determinado que a motivou. A CPI, afirma Randolfe, daria à Polícia Federal e ao Ministério Público “a tranquilidade de fazer a investigação sem nenhum tipo de interferência política”.
A oposição esperava que ao menos outros dois senadores assinassem o requerimento, o que ainda é incerto: Otto Alencar (PSD-BA) e Marcelo Castro (MDB-PI). A Folha apurou, porém, que Otto tem demonstrado receio de entrar em conflito com o eleitorado evangélico em um ano em que deve concorrer à reeleição. Castro tem sido pressionado a não endossar a criação do colegiado.
O requerimento para a instalação da CPI havia sido inicialmente sugerido em abril deste ano e chegou a reunir as assinaturas necessárias na época. No entanto, após pressão do governo, três senadores recuaram.
O governo tem tentado dissolver novamente a ideia de criação da CPI do MEC com a apresentação de um requerimento paralelo de CPI para investigar obras inacabadas da educação relacionadas ao governo do PT. Os governistas reuniram as assinaturas primeiro e, por isso, conquistaram poder de barganha.
O líder do governo, Carlos Portinho (PL-RJ), tem indicado que irá solicitar que seja seguida a ordem em que os requerimentos foram protocolados. Os líderes do governo cogitam judicializar a questão, caso a comissão do balcão dos negócios do MEC passe na frente.
Apesar das pressões para que senadores não assinem o requerimento ou retirem suas assinaturas, a versão oficial dos governistas é que essa não tem sido a sua estratégia principal. “Não há nenhum movimento”, diz Portinho.
O senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), um dos subscritores da CPI, afirma que há elementos suficientes para abertura da comissão.
“Se os fatos trazidos há cerca de 60 dias já eram de gravidade que suscitariam instalação à época de uma CPI, mais ainda depois de termos nos deparado com novos episódios que corroboram aqueles que inicialmente se tornaram públicos.”
Ele diz acreditar que os indícios apontam que Bolsonaro pode ser incriminado. “Os áudios são muito graves. Caso se confirme que ele manteve contato para preparar o ex-ministro em relação a uma possível operação, isso pode caracterizar a figura típica do crime de responsabilidade”, afirma.
Milton Ribeiro foi exonerado do Ministério da Educação em março passado, após o surgimento do escândalo, em particular a divulgação de um áudio pela Folha no qual o então ministro afirma que prioriza amigos e indicações do pastor Gilmar Santos, a pedido de Bolsonaro.
No áudio, ele ainda indica haver uma contrapartida supostamente direcionada à construção de igrejas.
O ex-ministro foi preso preventivamente no último dia 22, em uma operação que também prendeu os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura, ambos ligados ao presidente Jair Bolsonaro.
No dia seguinte, ele foi solto por uma decisão do juiz do TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região) Ney Bello, que concorre à indicação por Bolsonaro a uma das duas vagas abertas no STJ (Superior Tribunal de Justiça).
Após as suspeitas de interferência de Bolsonaro nas apurações, o juiz Renato Coelho Borelli, da Justiça Federal do DF, enviou os autos das investigações para análise do STF. Ele solicita que a ministra Cármen Lúcia, que ficou responsável por decisões nas investigações sobre Ribeiro quando ele era ministro, seja a relatora do caso.
(Matheus Teixeira e José Marques – Folhapress / Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)