Rússia mobiliza 200 mil e divulga treinamento para guerra nuclear
O Ministério da Defesa da Rússia disse nesta terça-feira (4) que já alistou 200 mil dos 300 mil reservistas que pretende usar na Guerra da Ucrânia em uma contestada mobilização, e passou a divulgar ostensivamente que eles estão sendo treinados para lutar num ambiente de guerra nuclear, química ou biológicas.
“O pessoal das unidades formadas [desde 21 de setembro] está sendo treinado em 80 campos e seis centros”, afirmou o ministro Serguei Choigu em um evento em Moscou. Nele, foram repassados números de destruição de equipamento ucraniano, mas não foi dita uma palavra sobre as controfensivas de Kiev no leste e no sul do país invadido em fevereiro.
A perda das áreas ocupadas em Kharkiv (nordeste), de um bastião russo em Donetsk (leste) e o rompimento das defesas num ponto de Kherson (sul) têm preocupado a linha dura do governo Vladimir Putin, que passou a fazer críticas públicas à condução da guerra e sugerir o uso de armas nucleares táticas, de menor potência, para deter Kiev.
Militarmente, não parece fazer muito sentido, mas esta é uma carta que o Kremlin tem usado com frequência desde o começo do conflito. Ao decretar a anexação de quatro áreas ucranianas em que não tem controle total, Putin elevou a aposta, dizendo que elas seriam defendidas com “todos os meios possíveis” –e isso inclui o maior arsenal atômico do mundo.
Com efeito, desde domingo (2) o Ministério da Defesa passou a postar no seu canal no Telegram imagens e relatos de treinamento de recrutas, incluindo como lidar com terreno contaminado por armas nucleares, químicas ou biológicas. É rotina, claro, em especial em um país com as capacidades que a Rússia tem, mas a visibilidade ao tema não é casual.
A Alemanha, rival histórica da Rússia que passou a ser sua parceira energética nos anos que precederam a guerra, disse nesta terça que as ameaças nucleares de Putin podem ser para valer. “Não é a primeira vez que ele recorre a tais ameaças, que são irresponsáveis e nós devemos levá-las a sério”, disse a chanceler Annalena Baerbock.
“Mas isso é também uma forma de nos chantagear”, disse ela, dando nome ao que está na mesa. Baerbock sabe que a população europeia, particularmente a alemã, antevê um inverno de dificuldades sem gás russo para aquecer os lares e mover a indústria, e que o temor de um conflito nuclear ainda é presente nas gerações que viveram a Guerra Fria.
No cálculo do Kremlin, presumido obviamente, a ameaça pode desestimular o apoio europeu, já bem menos coeso e volumoso do que o americano, a Kiev.
Também nesta terça, o Pentágono fez vazar a repórteres a avaliação de que nada indica que Putin esteja prestes a mobilizar suas forças nucleares. Isso é possível devido ao monitoramento de movimentos em bases por satélites e informação colhida por espiões.
Mas o emprego de uma arma tática traz complicadores, com por exemplo o fato de que algumas são muito pequenas, facilmente transportáveis. Enquanto isso, a especulação em torno do tema só aumenta, dando uma vitória ao Kremlin.
Na segunda (3), por exemplo, o jornal britânico The Times publicou reportagem dizendo que os russos estariam enviando material nuclear para sua fronteira ocidental. O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, disse nesta terça que não comentaria porque “não quero fazer parte do exercício ocidental em retórica nuclear”.
Há especulação acerca uma detonação de intimidação sobre o mar Negro, talvez até atacando a ilha da Cobra, rochedo estratégico que os russos ocuparam e perderam. O problema é que o local é muito próximo da Romênia, e parece inevitável que a radiação chegaria a um membro da Otan (aliança militar ocidental), disparando uma resposta.
Da mesma forma, o uso de uma arma tática contra forças ucranianas demandar o emprego de diversas ogivas para ter efeito, o que potencializaria o risco de contaminação da própria Rússia. Para os soldados, há o treinamento de proteção pessoal e descontaminação de blindados e caminhões depois, mas não há o que fazer com uma nuvem radioativa.
(Igor Gielow – Folhapress /Foto: Pedro Ladeira/Folhapress)