Quinto Andar, Loft e Facily demitem mais de 400 pessoas em uma semana
lguns dos principais unicórnios brasileiros –como são chamadas as empresas de tecnologia que superam a precificação de US$ 1 bilhão– fizeram demissões em massa na última semana, algo inusual para um mercado que até o ano passado estava aquecido como quase nenhum outro setor do país.
Foram 159 pessoas desligadas na Loft, cerca de 170 na Quinto Andar e, segundo relatos de ex-funcionários, mais de 100 na Facily.
O setor de startups e tecnologia vinha quebrando recordes de investimento nos últimos anos, e o mercado ficou ainda mais favorável para as empresas após a digitalização da sociedade provocada pela pandemia. Nos últimos meses, porém, mudanças na economia global têm mudado o cenário.
No caso da Loft, as demissões desta segunda-feira (18) foram fruto da compra da CrediHome, empresa de crédito imobiliário adquirida pelo unicórnio em setembro do ano passado. Cargos sobrepostos teriam sido eliminados, embora uma ex-funcionária tenha falado à Folha que estavam acontecendo contratações no setor antes das demissões, que não eram esperadas.
Em nota, a empresa diz que vai apoiar os ex-funcionários por meio do fornecimento do serviço premium do Linkedin e da extensão do plano de saúde por dois meses.
Já na QuintoAndar e na Facily, as demissões atingiram diversos setores.
A empresa de aluguel e venda de imóveis, que passa por um momento de internacionalização, recebeu US$ 525 milhões de investimento somando as duas últimas rodadas, em março e abril de 2021, quando chegou à precificação de US$ 2,9 bilhões.
Relato de uma ex-funcionária cita dificuldades da empresa em conciliar a operação interna com a expansão que está sendo feita no México. Foi citado também o impacto da Guerra na Ucrânia no dólar e nos investimentos.
Em nota, a startup diz que os contratos de aluguel cresceram 23% no primeiro trimestre de 2022 em relação aos últimos três meses do ano passado. “Repriorizamos algumas de nossas iniciativas internas e alguns times e funções deixaram de existir, gerando uma redução de 4% da nossa equipe”, divulgou a empresa.
Segundo a plataforma de dados Sling Hub, que não aponta a última demissão em massa, o número de funcionários na startup havia crescido 18% entre janeiro e março deste ano em relação ao último trimestre de 2021. A empresa já havia passado por uma demissão em massa no início da pandemia, quando cortou 8% da equipe.
A Facily, segundo a mesma base, mais que dobrou o número de funcionários nos primeiros três meses deste ano. As demissões, porém, foram as mais bruscas. Ex-funcionários divergem no número, que pode chegar a quase 200.
Em novembro de 2021, a plataforma de compras coletivas assinou um termo de compromisso com o Procon após o número de queixas em relação aos seus serviços chegar a 150 mil. Na época, o órgão exigiu que a startup indenizasse os consumidores e reduzisse as reclamações em 80%. A empresa se comprometeu também a criar um fundo de R$ 250 milhões para reparações aos clientes e aperfeiçoamento do serviço de atendimento.
Um mês depois, a Facily virou o novo unicórnio brasileiro após aporte de US$ 135 milhões.
Os cortes, segundo algumas das pessoas demitidas nesta terça-feira (19), teriam começado com funcionários de uma consultoria contratada.
Pressão de investidores, que viram a situação do dólar e dos juros mudar no mundo inteiro desde o último aporte, também foi aventada entre os motivos dos cortes A empresa não se pronunciou sobre o assunto.
É exagero falar em bolha das startups, afirma analista Em 2021, foram US$ 9,4 bilhões (em dezembro, cerca de R$ 53 bilhões) injetados na inovação brasileira, quase 2,6 vezes o que foi captado pelas empresas desse segmento em 2020 –US$ 3,5 bilhões.
A retomada da economia e a inflação trazem novos elementos para o investidor. Após um longo período de juros zerados para incentivar uma economia que quase parou com a pandemia, em março, o Fed (Federal Reserve, o banco central americano) elevou os juros em 0,25 ponto percentual, para um intervalo entre 0,25% e 0,5% ao ano. A expectativa é que o aumento se repita nas próximas reuniões da entidade.
A Guerra na Ucrânia, que desvalorizou o dólar em um exportador de commodities como o Brasil, também tornou o país menos atrativo para investidores, em grande parte estrangeiros.
A chuva de liquidez no setor despertava a suspeita de uma bolha financeira entre alguns especialistas. Nesse caso, eventuais correções de valores e desaceleração não seriam uma surpresa.
Dan Yamamura, sócio-fundador do fundo de investimentos de risco Fuse Capital, não chegaria a chamar o cenário de uma bolha, mas de um ciclo econômico, como os que acontecem em todos os mercados.
“Essas companhias estão se ajustando para um mercado que está desacelerando”, afirma.
Ele diz ver os ajustes de valores não só em grandes companhias de tecnologia, como o Nubank, listado na Bolsa de Nova York, mas também em empresas de estágio inicial –e também de outros setores , já que todas as empresas estão se adaptando à nova conjuntura.
“Quando os juros dos Estados Unidos sobem, o mundo inteiro é afetado”, diz ele. “Tem uma série de coisas que aconteceram que são consequência desse mundo pós pandêmico que não beneficia as companhias de tecnologia como estava beneficiando antes. Isso não quer dizer que elas vão acabar, mas os ajustes de preço estão acontecendo.”
Em relatório sobre o que esperar de 2022, a plataforma Distrito projeta investimentos de US$ 12,9 bilhões em startups. O número representaria um crescimento de 32,9% em relação a 2021, ano em que os aportes haviam saltado 177,14% quando comparados aos de 2020.
(Daniela Arcanjo – Folhapress/ Foto: Divulgação Quinto Andar)