Queda no crédito para empresas se intensifica com juros altos e efeito Americanas
As concessões de novos empréstimos e financiamentos para empresas recuaram com mais intensidade em fevereiro em meio ao cenário de juros elevados e ao efeito do caso Americanas, segundo dados divulgados pelo Banco Central nesta quarta-feira (29).
Houve queda de 8,3%, para R$ 185,5 bilhões em fevereiro, nas concessões com os chamados recursos livres (em que as taxas são negociadas livremente entre bancos e tomadores), na comparação com janeiro. A série considera o valor ajustado, com a finalidade de minimizar os efeitos sazonais sobre os dados.
Em janeiro, o indicador já havia registrado retração de 5,6% frente ao mês anterior. Em 12 meses, os dados mostram um crescimento de 14% -uma desaceleração, já que no primeiro mês de 2023 o aumento no período interanual era de 16,8%.
O chefe do departamento de estatísticas do BC, Fernando Rocha, ressaltou em entrevista coletiva sobre os dados que a desaceleração do crédito, quando observadas as variações do saldo em 12 meses, vem de meados de 2022, na esteira de uma atividade econômica mais fraca.
“Em geral, quando se olha o crédito total, os pontos de máxima estão por volta de junho ou julho do ano passado, sempre na comparação de 12 meses. A partir do segundo semestre tem uma desaceleração do crédito, o que significa que ele continua crescendo, porém a taxas menores”, afirmou.
“E no segundo semestre do ano passado é um momento em que houve também uma desaceleração da própria atividade econômica como um todo no país, medida pelo PIB [Produto Interno Bruto], por exemplo”, acrescentou.
Ele destacou ainda que o ciclo de aperto da política monetária também vem contribuindo para a desaceleração do crédito. Em agosto do ano passado, a taxa básica de juros (Selic) foi fixada nos atuais 13,75% ao ano -maior patamar desde o fim de 2016.
Em fevereiro, os juros médios continuaram em níveis elevados. Exclusivamente para pessoas jurídicas, a taxa média ficou em 24,2% -redução de 1,1 ponto percentual ante janeiro -e a inadimplência no segmento de recursos livres atingiu 2,4% em fevereiro deste ano, aumento de 0,1 ponto percentual na comparação com o mês anterior.
Já para pessoas físicas, também nos recursos livres, os juros médios alcançaram 58,3%, o que representa elevação de 1,7 ponto percentual. A inadimplência, por sua vez, se manteve estável em 6,1%.
A economista da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo), Izis Ferreira, destaca que os empresários sentem o esfriamento no crédito antes do que os consumidores e que a intenção de investimento das empresas vem caindo.
“Esse movimento tem a ver com a alta de juros, com a dificuldade que essas empresas estão encontrando para se financiar e com a dificuldade para operar. Quando o empresário vai negociar prazos com fornecedor, com credor, está mais difícil de conseguir prazos e, quando ele consegue, consegue a um custo muito maior”, afirmou.
Segundo a especialista, o cenário de crédito mais caro, escasso e restrito tem levado essas empresas de grande porte a uma condição de endividamento pior. “Está mais difícil renegociar dívidas, as dívidas aumentaram de valor. Quando você está falando de uma dívida pós-fixada, quanto maior forem os juros, pior.”
Ferreira diz que ainda há temor de uma crise de crédito no país, embora considere que o Brasil tenha condições de liquidez diferenciadas. “Não posso dizer que esse risco diminuiu ainda, muito pelo contrário, porque a gente não tem perspectiva de queda de juro e de melhora do nível de atividade em um cenário de inadimplência alta”, disse.
Para a Febraban (Federação Brasileira de Bancos), a carteira total de crédito segue um movimento de acomodação, refletindo fatores como perda de tração da atividade, alta da inadimplência, condições financeiras mais restritivas, além do episódio envolvendo as Lojas Americanas.
“Já se esperava um recuo nos saldos e nas concessões, mas os números de fevereiro, especialmente no segmento livre de PJ [pessoas jurídicas], vieram piores do que a expectativa média do mercado”, afirmou.
A entidade diz que será importante observar o comportamento do crédito em março para verificar se os dados de fevereiro foram “um ponto especifico ou se indicam um recuo mais forte das concessões”.
Os números divulgados pelo BC mostram também que, em fevereiro, houve queda de 7,7% no estoque de crédito da modalidade de desconto de duplicatas e recebíveis para pessoas jurídicas -comportamento que se deu na direção contrária ao esperado para o mês, quando havia expectativa por estabilidade ou ligeiro aumento.
A modalidade está ligada ao crédito sacado, operação tradicional no varejo brasileiro por meio da qual se desconta ou se securitiza o fluxo futuro de vencimentos da empresa –e que esteve no centro da crise que levou a Americanas à recuperação judicial.
De acordo com o chefe do departamento de estatísticas do BC, não dá para cravar que a queda desses dados tenha ocorrido por efeito das Lojas Americanas. “Tem um impacto pontual, mas não dá para dizer que a queda neste mês foi devido a isso, pode ser um dos fatores”, disse.
Para Rocha, a crise da varejista Americanas teve efeito “pontual” no crédito em modalidades específicas e, em seu entendimento, não parece haver risco de contaminação.
O cenário de crédito no país esteve no centro da discussão do Copom (Comitê de Política Monetária) do BC, conforme mostrou ata divulgada na terça-feira (28).
No encontro da última semana, os participantes do colegiado do BC expressaram opiniões divergentes. Para alguns membros, “deve-se esperar ainda um aumento da inadimplência e uma desaceleração na concessão do crédito”. Já outros observaram que “o aperto nas concessões de crédito foi mais intenso do que o esperado, mas focalizado em alguns mercados específicos [sem detalhar quais]”.
Apesar das diferenças de opiniões, o BC ressaltou que possui instrumentos de liquidez para lidar com eventuais fricções no mercado de crédito.
(Nathalia Garcia – Folhapress /Foto: Pexels)
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