Queda de braço no governo tumultua decisão sobre preço de combustíveis
Integrantes do governo ainda não conseguiram chegar a um consenso sobre qual medida adotar para evitar a explosão no preço dos combustíveis no mercado doméstico, na esteira da acelerada alta na cotação do petróleo com a invasão da Ucrânia pela Rússia.
Uma reunião foi realizada nesta terça-feira para discutir o tema, mas sem solução para o impasse que o governo vive desde o final de semana.
A preocupação é agir rapidamente para deter o impacto da alta dos derivados de petróleo no bolso dos consumidores em ano eleitoral. A leitura dos aliados do presidente Jair Bolsonaro (PL) é que o descontrole nos preços de gasolina, diesel e gás de cozinha, além da alta da inflação que virá desse custo extra, será prejudicial à sua reeleição. A recomendação é que ele tome uma decisão o quanto antes.
No entanto, como ocorreu em outros momentos delicados para o governo, o tema gerou uma queda de braço na alta cúpula, pondo em lados distintos o Ministério da Economia e o Ministério de Minas e Energia acompanhado da ala política mais próxima do presidente.
As possibilidades foram discutidas em reunião no Planalto nesta terça-feira com os ministros Paulo da Economia, Guedes (foto), Bento Albuquerque (Minas e Energia), Ciro Nogueira (Casa Civil), o presidente da Petrobras, general Joaquim Silva e Luna, e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.
Não houve definição sobre qual solução o governo adotará. Durante a reunião, Guedes defendeu a mudança nos tributos estaduais sobre combustíveis e a desoneração de PIS/Cofins sobre o diesel, enquanto a ala política junto com a Petrobras argumentaram a favor de um programa de subsídios para segurar a alta dos preços.
A ideia desse grupo é que o Tesouro arque com o custo da contenção dos preços, medida à qual Guedes se opõe veementemente. Técnicos da área econômica afirmam não haver no momento justificativa técnica para abrir créditos extraordinários para bancar esse subsídio fora das regras fiscais, como o teto de gastos.
Nos bastidores, porém, fontes reconhecem que está cada vez mais difícil segurar a pressão por um programa de subsídios. A Petrobras tem alegado que, sem isso, há risco de desabastecimento no país.
Sem consenso, as discussões continuarão nos próximos dias. As opções devem ser levadas ao presidente para uma decisão final.
Um dos cenários prevê custo de R$ 27 bilhões para cobrir integralmente os valores defasados cobrados pela Petrobras sobre o diesel por três meses a partir de agora. No entanto, de acordo com fontes do governo, esse valor não chegou a ser discutido na reunião desta terça e tampouco foi alvo de definição.
Participantes das negociações admitem que o custo final pode ficar abaixo disso, considerando o espaço nas contas. Outras opções na mesa são uma desoneração mais ampla de tributos, que inclua a gasolina -medida à qual a Economia se opõe.
Até que o presidente bata o martelo, a expectativa do governo é aprovar o PLP 11 no Senado, cuja votação está prevista para esta quarta-feira (9). O projeto muda a forma de cobrança do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), de um porcentual sobre o valor para uma cobrança fixa por litro -medida que amenizaria a alta de preços na visão da Economia. O texto também deve incluir a desoneração de tributos federais sobre diesel e gás, a um custo de R$ 18 bilhões para a União.
O relator do projeto, senador Jean Paul Prates (PT-RN), disse que deve acatar a emenda patrocinada pelo governo para desonerar o diesel, mas defendeu a aprovação conjunta de um segundo projeto relatado por ele, que prevê a destinação de lucros da Petrobras para uma conta que amortece a alta de preços. “Há um consenso difuso de que o Congresso precisa dar ao governo algum instrumento para conter a volatilidade nos preços”, disse.
Se dependesse apenas de Bolsonaro, este seria o momento de o Brasil suspender o uso da paridade internacional do valor do petróleo para reajustar os combustíveis no mercado interno. Ele deixou clara a posição em entrevista a uma rádio na manhã de segunda-feira (7). A fala, considerada intervencionista, derrubou as ações da Petrobras, que fechou o pregão com queda de 7%.
O MME (Ministério de Minas e Energia) junto com uma ala mais política do governo, mesmo não gostando da paridade, avalia que mexer nessa regra agora, em ano eleitoral, prejudicaria a reeleição do presidente. O grupo quer a adoção do subsídio para segurar o preço.
Alguns defendem que a medida deva valer também para importadores privados, não apenas para a Petrobras. As importações privadas já respondem por certa de 20% do abastecimento interno. Excluídas, essas empresas não teriam condições de sustentar a defasagem, o que levaria à queda da oferta e falta de combustível em pouco tempo.
Os defensores do subsídio propõem que o governo decrete estado de calamidade, alegando que o Brasil sofre com os efeitos da guerra num país estrangeiro, e adote crédito extraordinário para dar estabilidade ao preço no mercado interno.
O Ministério da Economia considera a alternativa temerária para os cofres públicos sob o argumento de que não há como saber até onde vai a guerra e o preço do barril, e custos seriam incontroláveis. Cálculos preliminares da pasta indicam que o custo pode passar de R$ 100 bilhões, a depender do rumo da guerra.
A Economia defende a aprovação das medidas que tramitam no Congresso, sob a relatoria do senador Jean Paul Prates (PT-RN), incluindo a proposta de mudança no cálculo de reajuste, que sugere média de preços.
No entanto, no curto prazo, numa mudança de postura considerada inesperada pelo mercado, a pasta chegou a sugerir que a Petrobras ofereça uma cota de contribuição ao alívio da crise, absorvendo a alta no preço internacional e segurando os reajustes provisoriamente. Decretar calamidade seria uma segunda opção, caso o conflito se prolongasse.
A proposta teria de ser aprovada pelo conselho de administração e divide integrantes da estatal. Se por um lado, de fato, há espaço financeiro para absorver provisoriamente o congelamento, já que a estatal teve lucro histórico de R$ 106,6 bilhões no ano passado, a medida também é vista como uma intervenção.
Na noite desta terça-feira, quando questionado por jornalistas, o ministro Paulo Guedes disse para esquecer qualquer ideia de contenção nos reajustes de combustíveis. “Não tem congelamento”, afirmou.
Para analistas, a medida pode provocar não apenas a queda no valor da ação, mas o rebaixamento da nota da estatal em agências de classificação de risco. Haveria também o já mencionado efeito adverso de levar ao desabastecimento do mercado, uma vez que os importadores privados continuariam expostos à alta internacional e não teriam condições de competir com congelamento de preços da estatal.
Há quase dois meses a Petrobras não faz reajustes de combustíveis. A defasagem é de 26% para gasolina e de 30% para o diesel em relação ao preço internacional. No domingo (6), chegou perto dos US$ 140 (R$ 708), próximo do recorde de US$ 147,50 (R$ 746) de julho de 2008. Nesta segunda-feira (7), o valor cedeu, fechando em US$ 123,89 (R$ 626,54), mas o cenário de instabilidade torna o preço incerto.
Economistas e especialistas do setor de energia afirmam que todas as alternativas em discussão no governo brasileiro criam riscos desnecessários, porque a intervenção nos preços é medida extrema com efeitos colaterais incontroláveis.
“O que estamos assistindo é a maior crise do petróleo desde a década de 1970, e a maioria dos países está observando e esperando para ver as consequências, que ainda são imprevisíveis”, diz Marcio Felix, ex-secretário executivo do MME. Ele recomenda cautela, porque o cenário do conflito é incerto.
O aumento do petróleo reflete os riscos criados no mercado global com invasão da Ucrânia pela Rússia, e é impulsionado pela escalada de sanções contra o governo de Vladimir Putin. O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, anunciou nesta terça-feira (8) que ordenou um embargo às importações americanas de petróleo e gás russos.
Na tentativa de isolar a Rússia do mercado de energia. Estados Unidos têm buscado alternativas até entre antigos opositores, como Venezuela.
“O mundo está tendo de engolir essa alta do petróleo, poucos países adotaram alguma medida para contê-la, e quem adotou preferiu ações pontuais, como a oferta de vouchers para motoristas abastecerem, caso de Portugal, ou socorro a pescadores, no Japão”, diz Marcos Mendes pesquisador associado do Insper.
“Diante desse cenário internacional, isso nos leva a crer que são nossas condições políticas que fazem o governo buscar o controle de preços”, afirma ele.
Mendes participou da elaboração e acompanhamento do programa de subsídios a caminhoneiros logo após a greve de 2018, durante o governo de Michel Temer (MDB). Ele afirma que a complexidade desse tipo de medida é imensa.
“No mercado privado há diferentes tipos de contratos, prazos e mais de 100 tipos de preços, e cada medida tende a gerar uma distorção para qual a gente corre o risco de não ter solução, como um desabastecimento ou desestímulo à produção” diz ele.
Décio Oddone, que foi diretor-geral da ANP (Agência Nacional de Petróleo), lembra também que o mercado brasileiro sofreu transformações nos últimos anos, o que reduziu a participação da estatal brasileira.
“Intervir na Petrobras não adianta nada, porque hoje existem muitos atores no mercado”, diz ele. “Vai apenas romper com um modelo aceito internacionalmente, gerando mais problemas. para a empresa e para o país.(Folhapress/Foto: Wilson Dias – Agência Brasil)