Presidente do Peru anuncia renúncia de premiê e mudança ministerial
Dois meses depois de ter assumido a Presidência do Peru e um mês após ter enfrentado uma maratona para que o Congresso aprovasse sua equipe ministerial, Pedro Castillo (foto) anunciou em uma surpreendente mensagem nesta quarta-feira a renúncia de seu primeiro-ministro, o que implica a saída de todo o gabinete.
“Informo ao país que no dia de hoje aceitamos a renúncia do presidente do Conselho de Ministros (equivalente ao cargo de premiê), Guido Bellido Ugarte, a quem agradeço pelos serviços prestados”, afirmou o presidente, em pronunciamento de cerca de 3 minutos transmitido pela TV estatal.
“É hora de colocar o Peru acima de toda a ideologia e posições partidárias isoladas.”
O mandatário peruano não deu detalhes da renúncia e se limitou a dizer ter decidido “tomar algumas decisões em favor da governabilidade”. Também anunciou que os novos integrantes do governo serão indicados ainda na noite desta quarta. A equipe vai precisar ser aprovada novamente pelos parlamentares.
Em entrevista coletiva, no entanto, Bellido deixou claro ter saído do governo a pedido de Castillo. “Não sabemos quais foram os motivos. Hoje o presidente solicitou que apresentasse a carta de renúncia e imediatamente cumpri esse pedido.” No documento apresentado ao mandatário, também divulgado pela imprensa, ele já havia indicado que seu desembarque havia sido uma solicitação do mandatário.
O agora ex-premiê também afirmou que “o desejo do presidente é uma ordem” e que Castillo “toma a decisão de acordo com seu critério político”. “Não tivemos nenhuma discrepância com o presidente. Ontem estávamos debatendo diferentes temas”, explicou.
Bellido, então congressista do Perú Libre, mesmo partido de Castillo, havia sido nomeado em 29 de julho para liderar o gabinete ministerial da gestão esquerdista. A aprovação da equipe, um mês mais tarde, foi a primeira prova de fogo para o presidente.
Foram necessárias duas longas sessões, uma de 12 horas e outra de 6, para o Congresso peruano aprovar os nomes. O Parlamento, por fim, concedeu a moção de confiança com 73 votos a favor e 50 contra –eram necessários 66 apoios. Nenhum dos congressistas se absteve.
A votação ocorreu em ambiente tenso, com manifestantes pró e antigoverno organizando protestos do lado de fora do edifício legislativo, em Lima. Houve inclusive ação da polícia para dispersar a multidão com gás lacrimogêneo.
Figura mais polêmica do gabinete, Bellido era justamente um dos pontos de tensão do governo, que sofre com índices baixos de aprovação apesar de estar ainda em seu início. Alvo de críticas desde sua nomeação, o agora ex-primeiro-ministro responde a um processo por apologia do terrorismo e já deu declarações em defesa do grupo guerrilheiro Sendero Luminoso.
Na época, houve fortes reações à formação do gabinete, como a de de Javier Padilla, do Renovação Popular. “Não podemos deixar passar as sérias acusações que turvam esse governo. Não se trata de desmerecer os nomes, mas de colocar pessoas adequadas nos cargos adequados, de acordo com seu perfil profissional e com qualidade moral e técnica.”
As tensões, entretanto, continuaram mesmo após a aprovação dos ministros de Castillo, tendo Bellido justamente como pivô.
Há uma semana, ele passou a protagonizar enfrentamentos verbais com o Parlamento, desde que a Casa questionou o ministro do Trabalho, Iber Maraví, por sua suposta participação em atentados terroristas cometidos pelo Sendero Luminoso há 40 anos.
Os parlamentares chegaram a elaborar uma moção de censura contra o ministro, que seria apresentada ainda nesta semana. Bellido e Castillo vinham negando a implicação de Maraví nas ações.
A presidente do Congresso, a opositora María del Carmen Alva, expressou sua satisfação pela renúncia e a possibilidade de mudanças no gabinete ministerial. “Após vários dias de incerteza desnecessária e de ministros questionados, saudamos a decisão do presidente Castillo de mudar seu gabinete ministerial”, escreveu em rede social. “O Congresso tem a maior disposição para o diálogo e para a governabilidade.”
A relação entre o Legislativo e o Executivo já vinha instável, mas a situação se agravou com a morte na prisão de Abimael Guzmán, octogenário líder do Sendero Luminoso. Parlamentares direitistas atribuem certa simpatia do governo de Castillo ao grupo guerrilheiro, o que o mandatário nega.
Em meio a essa tensa situação o agora ex-premiê voltará ao Congresso para exercer suas funções como parlamentar eleito pelo Perú Libre. Na Casa, o partido é dono da maior bancada, com 37 parlamentares, mas não possui maioria. A segunda maior legenda é o direitista Ação Popular, com 24 cadeiras.
Bellido integra a ala mais radical da sigla marxista-leninista que chegou à Presidência peruana de maneira surpreendente. Em um segundo turno apertado, Castillo venceu a direitista Keiko Fujimori com 50,12% dos votos válidos.
Sua eleição ocorreu após um período de forte instabilidade política –ele é o 5º nome a ocupar o cargo desde 2018. O caminho entre o dia do pleito e o anúncio oficial do resultado também foi tortuoso. Foram mais de 40 dias de uma contagem de votos marcada pela tensão e pelas ameaças de Keiko de não reconhecer a derrota, alegando fraude.
A chegada de Castillo ao poder tampouco aquietou o cenário. A três dias da posse, por exemplo, o general César Astudillo renunciou ao cargo de chefe do Comando Conjunto das Forças Armadas do Peru. De acordo com fontes militares, o general solicitou sua aposentadoria alegando “motivos pessoais”.
Já após cerca de três semanas do início do seu mandato, o esquerdista ganhou o título de líder com menor aprovação popular para o início da gestão no país nos últimos 20 anos. De acordo com levantamento realizado pelo instituto Ipsos para o jornal El Comercio, o presidente tinha 38% de aceitação entre os peruanos. Seu índice de rejeição era de 45%, e 17% dos entrevistados não opinaram.
Ainda em seu pronunciamento, o presidente reiterou seu pedido a setores econômicos, políticos e sociais para “mais ampla unidade para alcançar objetivos comuns”, como a reativação da economia peruana. “É um momento de colocar o Peru acima de toda ideologia e posições partidárias .” (Folhapress)