Polícia do Reino Unido investigará festas do governo Boris Johnson durante lockdown
A Polícia Metropolitana de Londres anunciou nesta terça-feira a abertura de uma investigação criminal sobre a série de festas realizadas em Downing Street, sede do governo do Reino Unido, durante os períodos de restrição para conter a pandemia de Covid no país.
A decisão vem após a polícia receber evidências sólidas sobre os episódios por meio da investigação capitaneada pelo gabinete britânico, segundo a comissária Dame Cressida Dick.
Jornais locais têm revelado, há semanas, festas envolvendo o premiê Boris Johnson (foto) e figuras do seu entorno, informações que desaguaram na maior crise enfrentada pelo político conservador.
O assunto também é investigado pelo próprio governo, numa apuração liderada por Sue Gray, segunda-secretária permanente de gabinete, que assumiu o caso após Simon Case renunciar ao posto -uma celebração realizada em seu escritório veio à tona e tornou insustentável a permanência dele.
De acordo com o comunicado lido por um porta-voz, a investigação paralela continuará mesmo com o anúncio da polícia metropolitana. O jornal Financial Times noticiou que o relatório produzido por Gray, com revelações capazes de complicar ainda mais o cenário para Boris, deve ser concluído e entregue ao premiê nesta quarta (26) e divulgado na sequência, no mais tardar na quinta.
Ainda existe a possibilidade, porém, de a revelação das conclusões ser atrasada até que a investigação policial seja concluída. “Não vamos especular a data ou o resultado”, disse o vice-primeiro-ministro Dominic Raab. “Cabe a ela (Gray) decidir, e nós aguardaremos o relatório.”
Os agentes metropolitanos pediram que o gabinete compartilhe todas as informações disponíveis para apoiar as investigações policiais, segundo comunicado lido após o anúncio da investigação criminal. Não foram esclarecidos quais eventos estão sendo apurados.
Um porta-voz disse que Boris não acredita ter descumprido a lei ou violado regras. “A decisão da Met (polícia metropolitana) de conduzir essa investigação é bem-vinda, eu acredito que isso vai ajudar a dar ao público a clareza necessária e traçar uma linha sobre esse assunto”, disse o premiê ao Parlamento.
Investigações policiais sobre a violação de regras durante os períodos de lockdown no Reino Unido não foram frequentes ao longo da crise sanitária, o que provocou críticas. Questionada sobre o assunto, a comissária Dick disse que os recursos da corporação são finitos e que a situação se agravou porque muitos agentes tiveram que ser afastados depois de se infectar com Covid. “Acho que, em geral, a população entenderia que precisamos nos concentrar em crimes violentos, terrorismo e outras prioridades.”
A abertura da investigação criminal vem um dia após a emissora ITV News revelar que Boris realizou uma festa para comemorar seu aniversário durante o primeiro lockdown no Reino Unido, em junho de 2020, quando reuniões sociais em ambientes internos estavam proibidas. Até 30 pessoas teriam participado do evento na residência oficial do primeiro-ministro.
Ainda que a apuração policial seja mais um fardo para o político, que enfrenta críticas da oposição trabalhista e até de correligionários -além, claro, de descrédito público-, a punição prevista para aqueles que desrespeitam as restrições sanitárias consiste na aplicação de multas prefixadas com valores relativamente baixos.
A penalidade para reuniões com mais de 15 pessoas, por exemplo, é de 800 libras (R$ 5.900), valor que pode ser reduzido para 400 libras (caso seja pago no prazo de duas semanas) ou aumentado a 6.400 libras caso a infração seja repetida cinco vezes. Os valores foram estabelecidos na Inglaterra há um ano.
Não são raros, porém, os casos em que as autoridades policiais limitam-se a dar uma advertência moral, em vez de aplicar a multa preestabelecida. O parlamentar Neil Coyle lembrou nas redes sociais que, há sete semanas, instou a polícia a investigar o caso. Ao jornal The Guardian a comissária Dick disse ter “sérias questões para responder sobre os motivos para que a investigação só pudesse ser iniciada agora”.
Diversas festas foram realizadas em Downing Street durante o período de isolamento. Uma delas ocorreu na véspera do funeral de Philip, marido da rainha Elizabeth 2ª. Funcionários do gabinete de Boris beberam álcool, e alguns dançaram, em dois eventos separados, segundo o jornal The Telegraph.
Boris foi ao Parlamento em 12 de janeiro para pedir “desculpas sinceras” pela participação num evento de sua equipe que furou as regras de confinamento no país. Depois, dirigiu as mesmas palavras à rainha devido às festas antes do funeral do príncipe, quando o Reino Unido estava em luto.
Outro evento, em maio de 2020, trazia um convite pedindo que os convidados levassem sua própria bebida para “aproveitar ao máximo o clima agradável e tomar, com distanciamento social, algumas bebidas, nos jardins de Downing Street”. Boris e sua esposa, Carrie Johnson, teriam participado do evento.
O britânico luta para ficar no cargo, mas correligionários já estudam quem pode ocupar o posto de primeiro-ministro.
Na última quarta (19), o ex-ministro David Davis, que comandou entre 2016 e 2018 as ações do governo para deixar a União Europeia, pediu de forma dramática a renúncia do primeiro-ministro, retomando discurso de 1653 do lorde Oliver Cromwell para condenar o Parlamento da época. “Em nome de Deus, vá [embora]”, disse. “Espero que meus líderes assumam a responsabilidade pelas ações que tomam.”
Para que seja aberto um processo que tire o premiê do cargo, é necessário que ao menos 54 dos 360 parlamentares da legenda escrevam uma moção de desconfiança a um órgão do partido chamado Comitê de 1922. No documento, eles devem expressar dúvidas de que Boris pode continuar premiê. Até a última quarta, ao menos 11 conservadores já haviam enviado mensagens, segundo The Telegraph.
O ministro das Finanças, Rishi Sunak, cotado como possível sucessor, disse na última semana que acreditava na versão do premiê de não saber que se tratava de uma festa o evento de maio de 2020. Questionado sobre uma hipótese em que fique comprovado que Boris mentiu, afirmou: “O código ministerial é claro sobre esses assuntos. Mas, vocês sabem, Sue Gray está conduzindo uma investigação sobre essa situação. O certo é permitirmos que ela conclua o trabalho”.
Além de Sunak, Liz Truss, secretária das Relações Exteriores do país, está entre os principais nomes para substituir Boris. Há dúvidas, porém, sobre quem seria capaz de ocupar o cargo. (Folhapress)