Partido de Merkel cai abaixo de 20%, pela primeira vez no pós-guerra

O partido da primeira-ministra alemão, Angela Merkel (foto), caiu a seu menor nível desde o fim da Segunda Guerra Mundial, de acordo com pesquisa do instituto Forsa. A União (CDU/CSU), de centro-direita, tem agora 19% das intenções de voto, de acordo com o levantamento.
Com mais essa queda, a vantagem do partido social-democrata SPD, que até o final de agosto estava atrás da União, ampliou-se para seis pontos, deixando de configurar empate. A sigla de centro-esquerda agora lidera, com 25% das intenções de voto, a eleição parlamentar alemã, marcada para 26 de setembro.
A votação definirá o sucessor de Angela Merkel, 67, que anunciou aposentadoria após 16 anos à frente do governo alemão.
Os conservadores chegaram a estar 14 pontos na frente dos sociais-democratas, mas começaram a perder terreno após as inundações que mataram 177 pessoas em julho. A perspectiva de uma derrota arrasadora fez a própria Merkel entrar com mais força na campanha pelo candidato a premiê da União, Armin Laschet.
A primeira-ministra já havia participado de eventos, mas seus pronunciamentos eram pouco enfáticos. Nesta terça, porém, usou seu último discurso no Bundestag (equivalente à Câmara dos Deputados alemã) para pedir votos para Laschet e alfinetar mais uma vez o candidato do SPD, Olaf Scholz.
“O que está em jogo são decisões econômicas e tributárias reais, que determinarão o futuro de nosso país, o número de empregos”, disse Merkel. Segundo ela, Laschet é o único candidato capaz de formar “um governo moderado, que conduzirá nosso país no futuro”.
O objetivo é tentar erodir a bem-sucedida estratégia de Scholz de se apresentar como o verdadeiro herdeiro político da primeira-ministra: o figurino é o de um político estável, sério e confiável.
Nisso conta pontos o fato de que ele é hoje o ministro das Finanças de Merkel -o SPD está coligado à União no governo. Após o apelo da líder alemã pelo voto em Laschet, Scholz tomou a palavra justamente para agradecer a ela “pelo trabalho conjunto desde 2018 no governo”.
O ponto fraco do social-democrata é a recusa de seu partido em descartar uma aliança com a Esquerda, sigla socialista originada do antigo governo da Alemanha Oriental, anti-União Europeia e contra a participação alemã na Otan (aliança militar de países europeus e norte-americanos).
Embora Scholz declare em entrevistas que exigiria compromisso com a Otan e o bloco europeu, Merkel e políticos de seu partido têm usado essa proximidade com os socialistas para convencer os eleitores conservadores de que deixar de votar na União pode pôr seus valores em risco.
O argumento, levantado pela primeira-ministra já durante a semana passada, por enquanto ainda não alterou a média das pesquisas eleitorais. Esses levantamentos, no entanto, não indicam diretamente o número de assentos que cada partido garantirá no Bundestag.
ENTENDA O SISTEMA ELEITORAL ALEMÃO
No sistema alemão, cada eleitor marca dois votos na cédula. No primeiro, escolhe um candidato a deputado para ser seu representante. Metade dos assentos no Bundestag são atribuídos por esses mandatos diretos.
A outra metade dos deputados é eleita com base nas listas de candidatos que os partidos apresentam em cada um dos estados federais. Nessa votação o eleitor escolhe o partido, e, com base nela, será definido o número de cadeiras a que cada sigla tem direito no Parlamento.
Também por causa desse sistema, o número de deputados eleitos pode variar. Isso ocorre quando os políticos de um partido escolhidos nominalmente são em maior número que as cadeiras atribuídas no voto para a sigla –por exemplo, um partido teria direito a 100 cadeiras, mas 110 foram eleitos diretamente.
Quando ocorre essa discrepância, os 110 podem ocupar seus lugares, e o número de vagas das outras siglas também aumenta proporcionalmente. Em 2017, os assentos no Bundestag foram ampliados de 598 para 709, por causa desse efeito.
Embora os partidos apontem seus candidatos a primeiro-ministro e eles façam campanha política, não são os eleitores que escolhem diretamente seu chefe de governo. Um nome é proposto ao Bundestag pelo presidente alemão —geralmente o candidato da sigla mais votada—, e precisa obter a maioria dos votos dos deputados eleitos.
Nesse ponto entra um segundo complicador dessa eleição: para conquistar a maioria, a grande probabilidade de o primeiro-ministro precisar de coligações. E, por enquanto, não há dois partidos com vantagem suficiente para chegarem juntos aos 50% mais um do Parlamento.
É por causa da perspectiva de que três partidos sejam necessários para uma coalizão que o “fantasma da Esquerda”, um partido com apenas 6% das intenções de voto, entrou nos debates de campanha, assim como ao menos outros quatro rearranjos possíveis de partidos, todos apelidados a partir de suas cores.
Quênia, por exemplo, seria a coligação dos três partidos mais votados, cujas cores equivalem às da bandeira do país africano: o vermelho do SPD, o preto da União e o verde da agremiação ambientalista, que está com 17% das intenções de voto.
Já uma união de SPD e Verdes com os 13% de intenção de voto do partido liberal FDP, cuja cor é o amarelo, resulta na coalizão batizada de Semáforo. Jamaica é o nome da junção do preto da União, do amarelo do FDP e dos Verdes —embora seja no momento menos provável, pois a vantagem para encabeçar a formação do governo é do SPD.
A controversa coligação com a Esquerda (também vermelha, como o SPD) e os Verdes recebe a alcunha de R2G (“rot-rot-grün”, vermelho, vermelho e verde), mas a candidata a primeira-ministra do partido ambientalista, Annalena Baerbock, já declarou não aprovar uma união com os socialistas.
Outra combinação seria a chamada Mickey Mouse, por ter as cores do personagem da Disney —e também da bandeira alemã—, preto, vermelho e amarelo; neste caso, a União, o SPD e o FDP, embora um consenso programático entre os sociais-democratas e os liberais, se já não fosse difícil por si só, ainda teria que passar pelo crivo dos 400 mil membros do partido de Scholz.
Acertar as prioridades e fazer concessões que contentem três visões políticas não será fácil em nenhuma das combinações, de qualquer forma, e analistas já apontam a possibilidade de que Merkel precise continuar no cargo por mais alguns meses, até que um novo governo seja proposto e aprovado.
Em parte, a imprevisibilidade dessa eleição está também na aposentadoria anunciada por ela: será a primeira vez em 75 anos que um primeiro-ministro no cargo não se lança à reeleição. Isso leva volatilidade à fatia dos eleitores cuja lealdade principal era a Merkel, e não à União.(Ana Estela de Sousa Pinto – Folhapress)

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