ONG: ataques à democracia no Brasil se somam a velhos problemas de direitos humanos

 Violência policial, cárceres insalubres, racismo, LGBTfobia, devastação ambiental, vulnerabilidade de ativistas. Historicamente, o Brasil tem um triste lugar de destaque nos relatórios globais sobre violações de direitos humanos.
O Relatório Mundial de 2022 da ONG internacional Human Rights Watch (HRW), lançado globalmente nesta quinta-feira, demonstra que as violações persistentes no país agora surgem encabeçadas por novas ameaças a direitos políticos e civis protagonizadas pelo presidente Jair Bolsonaro (foto) ao longo de 2021.
“Antes, havia instrumentos e demonstrava-se algum interesse na melhoria dos indicadores relacionados às violações históricas no país”, avalia Maria Laura Canineu, diretora da HRW Brasil. “Hoje, existe uma política antidireitos, tanto no discurso como na prática, que vem se materializando ao longo desses três anos da atual gestão federal.”
Com a proximidade das eleições 2022, a ONG destaca a preocupação que hoje existe no país e na comunidade internacional em torno do processo eleitoral. O receio deriva da sequência de suspeitas de fraude infundadas e bravatas proferidas publicamente pelo presidente brasileiro, chamado no documento de “um fervoroso defensor da brutal ditadura militar brasileira (1964-1985)”.
“A comunidade internacional e as instituições brasileiras precisam estar vigilantes a tentativas do presidente de subverter o sistema eleitoral em 2022”, afirma Canineu.
Para além de minar a confiança no voto eletrônico que o elegeu em 2018, Bolsonaro também é visto como potencial herdeiro da tentativa de golpe pós-pleito que assombrou os EUA há um ano, quando apoiadores do então derrotado presidente Donald Trump invadiram o Capitólio.
A liberdade de expressão é outro pilar da democracia que a HRW aponta como direito ameaçado no Brasil de hoje. Bolsonaro acenou a manifestações antidemocráticas do tipo “fora STF”, pediu impeachment de ministro do Supremo (rejeitado pelo Congresso), atacou jornalistas e veículos da mídia profissional e usou a Lei de Segurança Nacional, editada durante a ditadura, para investigar opositores.
Segundo levantamento da ONG Repórteres Sem Fronteiras, o presidente brasileiro atacou repórteres e a imprensa 87 vezes só no primeiro semestre de 2021.
Além disso, o relatório destaca o uso que o presidente faz das redes sociais, em especial do Twitter, uma plataforma de divulgação de políticas públicas e de política externa do Brasil, ao mesmo tempo em que bloqueia desses canais aqueles que o criticam.
Em 2021, a Human Rights Watch perguntou em seus canais nas redes sociais quem havia sido bloqueado pelo presidente e recebeu 400 relatos, dos quais conseguiu confirmar 200, incluindo 13 contas institucionais, incluindo veículos da imprensa e ONGs.
“Com isso, entendemos que o presidente cerceia a liberdade de expressão e o acesso à informação, uma vez que impede o acesso a um canal de comunicação de políticas de governo”, avalia a diretora. “O Brasil só não está pior em função da atuação corajosa da imprensa, da sociedade civil e das instituições democráticas, como o próprio Supremo Tribunal Federal e o Congresso, que, por meio da CPI, informou o debate público e revelou a tragédia da resposta do governo Bolsonaro à pandemia.”
A pandemia, como não poderia deixar de ser, é outro destaque do documento. E, mais uma vez, boa parte da causa dos problemas levantados recai sobre a atuação do presidente em exercício.
O desempenho mortífero do Brasil no enfrentamento à disseminação do coronavírus, com mais de 600 mil mortes, é relacionado à disseminação de fake news e ao desrespeito às medidas de prevenção proclamadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O presidente foi sem máscara a aglomerações, cumprimentou apoiadores a até removeu a máscara de uma criança em seu colo.
O relatório retoma as revelações feitas pela CPI da Covid no Senado, da falha no fornecimento de oxigênio, em falta nos hospitais do Amazonas em janeiro de 2021, levando à morte de pessoas por asfixia, aos indícios de negligência e de corrupção na compra de vacinas para a população brasileira.
O documento ainda destaca o fracasso do país na garantia do direito à educação durante a pandemia. As escolas brasileiras foram uma das que ficaram fechadas por mais tempos no mundo, segundo a Unesco, somando 69 semanas fechadas entre março de 2020 e agosto de 2021.
No campo dos velhos problemas brasileiros agravados nos anos recentes, a HRW indica que a letalidade policial atingiu um número recorde em 2020, ano do último dado disponível. Foram 6.400 mortes provocadas por policiais, 80% delas de pessoas negras. O número corresponde a 12,8% das mortes violentas intencionais, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. A proporção é o triplo daquela registrada no mesmo período nos EUA (4,7%) e sete vezes maior que aquela ocorrida na África do Sul (1,7%).
O relatório indica que o desmatamento da Amazônia atingiu sua maior taxa em 15 anos, segundo dados do próprio governo, e que o presidente Bolsonaro promoveu projetos de lei para negar o direito de muitos povos indígenas a suas terras tradicionais, o que incentivou a mineração ilegal nesses territórios.
“Em resposta à grande indignação nacional e internacional, o governo Bolsonaro se comprometeu a proteger a floresta, mas os dados oficiais mostram que essas promessas são vazias”, disse Canineu. “Ele continua sabotando as instituições de fiscalização ambiental e existe um ambiente de medo tanto entre os servidores públicos do setor quanto entre defensores da floresta.”
A ONG critica ainda o mau desempenho do país em relação aos direitos das mulheres e a posição do país em fóruns internacionais contrária a direitos sexuais e reprodutivos.

BRASIL E DIREITOS HUMANOS
Relatório de 2022 da ONG Internacional Human Rights Watch aponta velhas e novas ameaças no país:
> Presidente atacou pilares e instituições da democracia brasileira, como o sistema eleitoral e o Supremo Tribunal Federal (STF)
> Governo federal desrespeitou recomendações científicas para prevenir a disseminação da Covid-19
> Letalidade policial alcançou recorde da série histórica; 80% das vítimas eram negras
> Desmatamento da Amazônia seguiu em alta e atingiu nível recorde nos últimos 15 anos, entre ameaças e ataques a povos indígenas e defensores da floresta (Fernanda Mena – Folhapress)

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