O que muda com a aprovação do marco legal dos criptoativos?
Depois de sete anos de tramitação, a Câmara dos Deputados aprovou na última terça-feira (29) um projeto de lei que regulamenta o mercado de criptoativos em território nacional. A proposta, que formaliza o setor na legislação brasileira, aguarda sanção do presidente Jair Bolsonaro (PL).
O projeto aprovado na Câmara teve relatoria do deputado Expedito Netto (PSD-RO) e rejeitou uma série de mudanças que haviam sido feitas pelo Senado ao texto original, proposto em 2015 pelo deputado Aureo Ribeiro (Solidariedade-RJ).
ENTENDA O MARCO LEGAL DOS CRIPTOATIVOS
O QUE É UM ATIVO VIRTUAL?
Um ativo virtual passa a ser definido pela lei como uma representação digital de valor que pode ser negociada ou transferida e utilizada para fins de pagamento ou investimento. A lei traz uma definição bastante genérica e, para evitar ruídos, explicita algumas exceções.
Não entram nessa definição programas de fidelidade e de milhagem, além de moedas fiduciárias. Isso significa que o real digital -que está em estudo pelo Banco Central- não será regido por essa legislação. No caso de ativos representativos de valores mobiliários -títulos ou contratos de investimento coletivo ofertados publicamente-, continuam valendo as regras da CVM (Comissão de Valores Mobiliários).
QUAIS SÃO AS IMPLICAÇÕES DA LEI?
A lei dispõe sobre diretrizes a serem observadas nas atividades e na regulamentação das prestadoras de serviços de ativos virtuais. O texto aprovado não detalha regras específicas, que ficarão a cargo do órgão regulador posteriormente.
Thamilla Talarico, sócia líder de blockchain e ativos digitais da EY Brasil, vê o marco legal como “principiológico”, ou seja, uma lei que traz princípios norteadores. “É o início de um arcabouço jurídico regulatório para o tema”, diz. Segundo ela, a lei traz segurança jurídica tanto para investidores quanto para as empresas.
Para Marcos Viriato, CEO da fintech anglo-brasileira Parfin, a aprovação da proposta coloca o Brasil na dianteira no cenário global. “Poucos países do mundo têm uma legislação dedicada a regular criptoativos. É super positivo o Brasil estar saindo na frente”, afirma.
QUANDO A LEI ENTRA EM VIGOR?
Aprovado pela Câmara dos Deputados, o texto seguiu para sanção do presidente Jair Bolsonaro (PL). Uma vez sancionada, a lei entrará em vigor 180 dias (seis meses) após a publicação oficial. O marco legal prevê um período de transição para que as prestadoras de serviços de ativos digitais se adaptem à nova regulação.
Mas as medidas podem se tornar, de fato, efetivas ainda mais tarde. Isso porque também é preciso considerar o prazo para que as normas infralegais sejam determinadas pelo órgão regulador -ainda a ser definido.
Em um cenário que considera otimista, Isac Costa, sócio do Warde Advogados e ex-analista de Mercado de Capitais na CVM, prevê que a lei não produzirá efeitos práticos relevantes no mercado brasileiro de criptoativos antes de um ano após sua aprovação. Já no cenário pessimista, estima que sejam necessários ao menos dois anos.
“É normal que uma lei complexa tenha um período de transição longo. O problema é que alguns riscos mais graves e iminentes não precisavam esperar”, afirma. Ele vê com preocupação a falta de controles mais rígidos sobre as corretoras estrangeiras sem domicílio no país.
COMO FICA A SITUAÇÃO DAS EMPRESAS ESTRANGEIRAS NO BRASIL?
O projeto de lei aprovado exige que as empresas que operem no mercado de criptoativos tenham sede no Brasil. Para constituir um CNPJ e regularizar sua situação cadastral, as corretoras estrangeiras sem domicílio no Brasil terão um prazo de 180 dias. Ao término do período, as empresas estarão sujeitas às normas estabelecidas pelo órgão regulador.
QUEM SERÁ O ÓRGÃO REGULADOR DO MERCADO DE CRIPTOATIVOS?
O texto aprovado no Congresso não especifica um órgão regulador da atividade, mas afirma que compete ao Poder Executivo atribuir a um ou mais órgãos públicos a disciplina do funcionamento e a supervisão da prestadora de serviços de ativos virtuais.
Entre os agentes do setor, há uma expectativa de que seja nomeado o Banco Central -que já demonstrou interesse em assumir a responsabilidade. Mas, mesmo que a autoridade monetária seja escolhida, a regulação dos ativos digitais que representam valores mobiliários continuará sendo competência da CVM.
QUAIS PUNIÇÕES ESTÃO PREVISTAS EM CASO DE FRAUDE?
O marco regulatório prevê punições em diferentes esferas. Na criminal, pode ser enquadrado quem “organizar, gerir, ofertar ou distribuir carteiras ou intermediar operações que envolvam ativos virtuais, valores mobiliários ou quaisquer ativos financeiros com o fim de obter vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento.”
O Código Penal passa a considerar fraudes com utilização de ativos virtuais, valores mobiliários ou ativos financeiros como um caso de estelionato, com pena de quatro a oito anos de prisão, além de multa. O período de reclusão pode ser aumentado de um a dois terços se as infrações forem cometidas de forma reiterada.
Para Talarico, da EY Brasil, as penalidades isoladamente não são suficientes para trazer mais segurança aos investidores. “Elas são complementares às regras que serão criadas a partir desses princípios gerais que a gente tem na lei recém-aprovada”, afirma.
Na opinião de Costa, ex-CVM, “prevenir é melhor que remediar” quando se trata de prejuízos financeiros. “Tentar detectar o problema o mais cedo para tentar evitar que investidores sejam lesados tem muito mais eficácia social e traz muito mais segurança aos investidores e cidadãos do que punir alguém depois”, diz.
COMO FICOU A DISCUSSÃO SOBRE SEGREGAÇÃO PATRIMONIAL?
O projeto de lei aprovado na Câmara excluiu a questão da segregação patrimonial -dispositivo jurídico que impediria corretoras de usarem recursos dos investidores para suas próprias operações. A discussão ganhou mais relevância após o colapso da FTX -segunda maior corretora de criptomoedas do mundo, atrás apenas da Binance.
Quando os bens dos investidores não são integrados ao patrimônio da corretora, em caso de falência da prestadora de serviços, os clientes podem formular um pedido de restituição para ter prioridade no recebimento dos recursos depositados. Caso contrário, é preciso entrar em uma fila para tentar reaver o dinheiro investido.
Sem segregação patrimonial, em uma situação hipotética, os clientes de uma corretora que tivesse seus bens congelados por uma ação judicial também ficariam impossibilitados de movimentar seus investimentos.
Quem defende a ausência do dispositivo alega que isso permite novos modelos de negócios e uma maior alavancagem por parte das prestadoras de serviços. O tema constava no texto que passou pelo Senado, mas foi rejeitado pelos deputados, apesar do apelo das empresas brasileiras. A expectativa é que a segregação patrimonial seja incluída na norma posteriormente.
(Nathalia Garcia – Folhapress /Foto: Pexels)
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