Na era da migração total para tecnologia, qual o limite da automatização?
Num curto e médio espaço de tempo tudo vai migrar para a automação tecnológica. Será mesmo? Se de um lado a tendência é cada vez maior para a automatização de serviços e processos repetitivos, por outro, o pensamento criativo é cada vez mais valorizado entre as habilidades necessárias para atuar no mercado de trabalho atual. As máquinas só conseguem pensar e agir em cima do processamento de dados existentes. Tarefas repetitivas e estruturadas são passíveis de automatização, como temos testemunhado há bastante tempo, nos caixas eletrônicos dos bancos, por exemplo. Entretanto, quando se trata de tarefas muito customizadas e assuntos baseados em suposições, imaginação e inspirações, apenas os seres humanos conseguem pensar e criar em cima de coisas que ainda não existem. Nesse sentido, a única coisa que não dá para migrar é o pensamento criativo que é inerente ao ser humano.
Em 2019, por exemplo, criatividade foi a habilidade profissional mais requerida no ranking do Linkedin. Em 2022, foi listada como um dos três assuntos mais falados no Fórum Mundial na abordagem das características profissionais mais valorizadas no mercado de trabalho global. Se é repetitivo e pode ser automatizado, uma máquina pode dar conta. Mas se o trabalho exige conjunturas personalizadas, com criações baseadas em imaginação e conhecimento tácito, somente seres humanos podem fazer. Obras de artes plásticas, literárias e músicas, por exemplo, não são possíveis de serem criadas por máquinas somente, pois demandam o pensamento criativo e a mão do artista para a sua elaboração. No caso das músicas, já existem softwares que ajudam os músicos a “construir” novos sucessos. Através do mapeamento dos assuntos de maior tendência e com maiores chances de viralização, o programa de computador seleciona os tópicos que devem ser incluídos na letra pelo autor para aumentar as possibilidades de gerar um novo hit musical, com milhões de acessos e execuções. Outro setor que vem aplicando a tecnologia de forma bastante eficiente e com resultados muito significativos é a educação. Sem dúvida, a pandemia acelerou a digitalização das aulas porém, existem ainda desafios a serem solucionados, tanto para empresas, como alunos e professores. E um dos principais obstáculos é o desenvolvimento de soft skills, como inteligência emocional, relacionamento, comunicação e liderança à distância, em ambientes virtuais. Dentre inúmeras questões ainda a serem respondidas, como prender a atenção dos alunos e potencializar o aprendizado do conteúdo durante as longas transmissões online, quando os alunos estão sozinhos, em casa, muitas vezes em um ambiente desfavorável à concentração necessária? Como fazer avaliações online que contemplem habilidades soft skills? Como atrair alunos para cursos à distância, que não proporcionam a vivência acadêmica tão importante para o desenvolvimento pessoal e profissional do estudante?
Sem dúvida, a tecnologia pode proporcionar ferramentas para automatizar os processos existentes e resolver problemas difíceis, mas quando aumenta a complexidade das adversidades, somente o pensamento criativo do ser humano é capaz de pensar fora da caixa e prover soluções inovadoras. Por exemplo, a criatividade do ser humano pode utilizar a tecnologia do metaverso para criar ambientes de aprendizado específicos, de acordo com os temas abordados. Aprender sobre hospitalidade em qualquer hotel do mundo e ter aulas de engenharia naval de dentro de navios e submarinos, sem sair de casa, são algumas das possibilidades que o pensamento criativo pode viabilizar e enriquecer ainda mais a experiência de aprendizado do aluno. Assim, atrair mais candidatos para os cursos, ampliar as oportunidades de interação pessoal e networking, fomentar ferramentas de ensino e aprendizado para professores e alunos, dentre inúmeras outras possibilidades. E isto quer dizer que o mercado de trabalho para músicos, autores, compositores ou professores vai acabar? É muito improvável que isto aconteça, mas com certeza, a transição do mundo VUCA, caracterizado pela Volatilidade, Incerteza, Complexidade e Ambiguidade, para a nova realidade BANI (sigla em inglês para Fragilidade, Ansiedade, Não-linearidade e Incompreensibilidade) vai mudar o ambiente de trabalho e demandar mais profissionais capacitados e integrados para atuar em um ambiente cada vez mais digital e automatizado. Parcerias entre pessoas e máquinas serão progressivamente mais comuns e necessárias. Entretanto, se a tecnologia auxilia o ser humano no processo criativo, a maior vantagem do ser humano como protagonista dos processos, e o que o faz único, ainda é a sua criatividade e a capacidade de improviso e inspiração frente às dificuldades.
por Matheus Cardoso, Consultor de Inovação da Fábrica de Criatividade
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