Mulheres fazem história com recorde de candidatas à Presidência
As eleições de 2022 terão participação feminina recorde na disputa pelo Palácio do Planalto, embora as chapas exclusivamente masculinas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), com Geraldo Alckmin (PSB), e do atual presidente, Jair Bolsonaro (PL), com Walter Braga Netto (PL) sejam, por ora, as favoritas.
No primeiro debate presidencial, realizado na noite de domingo (28), a senadora Simone Tebet (MDB), que tem como vice a também senadora Mara Gabrilli (PSDB), foi a mais bem avaliada entre os participantes, de acordo com pesquisa Datafolha realizada com eleitores indecisos. O tema central do evento se tornou o respeito e políticas para as mulheres, depois de Bolsonaro atacar a jornalista Vera Magalhães.
Tanto Tebet e Gabrilli, que transitam por um espectro mais conservador, quanto as esquerdistas Vera Lúcia e Raquel Tremembé, do PSTU, buscam o que seria uma inédita vitória de uma chapa 100% feminina.
As eleições de outubro marcam também o maior número na história brasileira de candidatas ao Planalto: quatro, cifra que sobe para oito com as vices -além de Gabrilli e Tremembé, há Ana Paula Matos, que disputa o pleito com Ciro Gomes (PDT), e Samara Martins, vice na chapa de Léo Péricles (UP).
Haveria ainda uma nona candidata, Fátima Pérola Neggra, que disputaria a Vice-Presidência pelo Pros. O partido, porém, trocou de comando e indicou apoio a Lula. A Justiça Eleitoral ainda dará a palavra final.
Em suas trajetórias, as postulantes relatam desafios, ceticismo e, em alguns casos, fogo amigo.
VERA LÚCIA (PSTU), CANDIDATA A PRESIDENTE
Militante do PSTU há quase 30 anos, Vera Lúcia, 54, disputou a eleição de 2018 em chapa 100% negra e nordestina -seu vice era o professor Hertz Dias. Ambos receberam 55.762 votos (0,05%).
Nascida em Inajá (PE), é costureira de sapatos e formada em ciências sociais. Em 2004, fundou a Central Sindical e Popular. Antes de entrar no PSTU, militou no PT. Ela critica a possibilidade de o ex-partido voltar ao poder e contesta a chapa de Tebet, a quem chama de defensora dos interesses ruralistas.
“Como pode uma mulher dessas corresponder a necessidades que são nossas? Somos vítimas inclusive da exploração e da opressão da classe que ela representa.” Vera Lúcia defende a legalização do aborto.
RAQUEL TREMEMBÉ (PSTU), CANDIDATA A VICE
A pedagoga Raquel, ou Kunã Yporã, nasceu em Vargem Grande (MA). Ela pertence ao povo tremembé, da aldeia de São José de Ribamar, território que, afirma, é afetado por grilagem de terra e exploração ilegal.
Ativista do movimento indígena, Raquel, 39, integra a Articulação da Teia e Povos de Comunidades Tradicionais do Maranhão e a Secretaria Executiva Nacional da Central Sindical e Popular (CSP)-Conlutas.
A vice de Vera Lúcia cita como preocupação a mortalidade infantil e obstétrica, em especial entre indígenas. “Existem questões sanitárias indígenas, mal tem estrutura física. Quando tem um profissional, não é capacitado para essas especificidades. Temos uma diversidade de mais de 274 línguas.”
SIMONE TEBET (MDB), CANDIDATA A PRESIDENTE
Tebet, 52, vem de uma família ligada à política. Seu pai, Ramez Tebet, ocupou diversos cargos públicos e foi presidente do Senado. Advogada e professora, foi prefeita, deputada estadual, vice-governadora de MS e senadora, posição na qual se tornou mais conhecida devido às participações na CPI da Covid.
Enfrentou resistência interna, com alas do MDB apoiando outros candidatos e trabalhando para miná-la. Tebet foi líder da bancada feminina do Senado, mas enfrenta questionamentos por sua posição contrária ao aborto. Defende apenas as possibilidades de interrupção de gravidez previstas hoje na legislação.
Uma de suas promessas é montar um ministério com o mesmo número de homens e mulheres.
MARA GABRILLI (PSDB), CANDIDATA A VICE
Gabrilli, 54, tem a vida pública ligada a uma tragédia pessoal: um acidente em 1994 a deixou tetraplégica.
Publicitária de formação, tornou-se militante da defesa dos direitos das pessoas com deficiência. Gabrilli foi secretária municipal, deputada federal e agora está na metade do mandato de senadora.
A princípio, Tasso Jereissati (PSDB-CE) era o favorito para o posto de vice na chapa, mas ele acabou recusando. “Aceitei a missão porque uma chapa com duas mulheres, uma delas com deficiência, tem muita representatividade e demonstra a transformação que queremos para o país”, disse Gabrilli.
Em relação ao aborto, a senadora mantém posição semelhante à de sua companheira na disputa pelo Planalto, mas defende uma discussão com olhar também sob o aspecto da saúde pública.
SORAYA THRONICKE (UNIÃO BRASIL), CANDIDATA A PRESIDENTE
Soraya, 49, foi a última candidata a entrar na corrida presidencial. Ela era cotada para ser vice na chapa de Luciano Bivar, mas acabou se tornando o nome da União Brasil após a desistência do dirigente do partido.
Advogada de formação, pertence à onda de políticos que surgiu nos protestos contra a então presidente Dilma Rousseff (PT). Aderiu ao bolsonarismo e acabou eleita senadora por Mato Grosso do Sul.
Agora, concorrendo contra Bolsonaro, afirma que vai manter os mesmos valores conservadores nos costumes e liberais na economia, além da bandeira anticorrupção.
“Nós, mulheres, temos grandes exemplos para nos inspirar e o apoio da grande maioria dos homens conscientes quanto à importância de dividir o espaço com o público feminino para equilibrar o jogo.”
Soraya é contra o aborto e alterações na legislação sobre o tema.
SOFIA MANZANO (PCB), CANDIDATA A PRESIDENTE
Filha de pais que estudaram na USP (Universidade de São Paulo) no final dos anos 1960, durante a ditadura militar, a paulistana Sofia Manzano foi criada em um sítio em Santa Isabel (SP) frequentado por ativistas que criticavam o regime de exceção e o capitalismo.
Sofia, 51, não é uma estreante em eleições. Em 2014, ela, que milita no PCB há mais de três décadas, foi vice do correligionário Mauro Iasi no pleito presidencial -a chapa recebeu 52.405 votos (0,05%).
A economista afirma que, com exceção dela e de Vera Lúcia, “as outras candidatas estão muito mais se aproveitando do fato de serem mulheres do que pautando a luta feminista nas eleições”.
Sofia defende a legalização do aborto pelo SUS (Sistema Único de Saúde).
ANA PAULA MATOS (PDT), CANDIDATA A VICE
Nascida em Salvador (BA), a vice de Ciro é conhecida pelo trabalho social e pela devoção à Irmã Dulce, primeira santa brasileira. “Aos 7, servia na igreja. Meu pai era médico, e eu ajudava a entregar remédios e a organizar filas”, diz. Em 2020, tornou-se vice de Bruno Reis (União Brasil) na Prefeitura de Salvador.
O programa da chapa propõe medidas para a criação e o respeito a leis que facilitem a inserção feminina no mercado de trabalho e prevê programas de microcrédito específico para mulheres.
Sobre aborto, Ana Paula, 44, diz ser a favor da vida e avalia já haver legislação adequada para o tema. Defende, porém, discussões sobre acesso às políticas públicas de planejamento familiar.
SAMARA MARTINS (UP), CANDIDATA A VICE
Nascida em Minas Gerais e moradora de Natal (RN), Samara começou sua militância no movimento secundarista. A candidata de 35 anos foi diretora de mulheres da UNE (União Nacional dos Estudantes) e concorreu como vereadora por Natal nas eleições de 2020, mas não se elegeu. Ela também é vice-presidente nacional do Unidade Popular e atua em movimentos feministas e de luta por moradia.
“A gente tem debatido a extrema importância do protagonismo das mulheres na política e nos espaços de decisões porque, na prática, são elas que mais sentem as mazelas que a gente denuncia”, afirma ela.
A vice de Léo Péricles diz ser central para a candidatura pensar principalmente nas mulheres negras. O programa de governo da chapa defende a descriminalização e a legalização do aborto e fala em acabar com a discriminação e a exploração sexual de mulheres.
(Danielle Brant, Renato Machado e Carolina Moraes – Folhapress/ Foto⁚ Adriano Vizoni/Folhapress)