MPT defende na Justiça vínculo empregatício para 99, Uber, Rappi e Lalamove
O MPT (Ministério Público do Trabalho) ajuizou na segunda-feira passsada ações contra as empresas 99, Uber, Rappi e Lalamove solicitando que a Justiça reconheça vínculo empregatício com os motoristas e entregadores -motoboys e ciclistas.
O MPT defende reconhecimento da relação entre o trabalhador e a plataforma digital, com a garantia de direitos sociais trabalhistas, securitários e previdenciários.
Também requer melhoria das condições de saúde e segurança do trabalho nas atividades de entrega. “Depois de uma exaustiva investigação em face dessas quatro empresas, o MPT identificou a existência de todos os elementos que configuram uma relação de emprego entre os trabalhadores e as plataformas digitais”, diz o procurador do Trabalho Renan Kalil, um dos que ajuizou a ação.
Os aplicativos afirmam que o argumento é equivocado e que decisões do Superior Tribunal de Justiça já negaram relações de vínculo empregatício.
O procurador elenca que trabalhadores realizam suas atividades de forma frequente, não podem indicar outras pessoas para trabalhar em seu lugar, são pagos para fazer as entregas ou o transporte de passageiros e estão sob o controle dessas empresas.
O controle, segundo ele, ocorre de diversas maneiras, como “na distribuição do trabalho, na determinação unilateral do preço das corridas ou das entregas, no estabelecimento de taxas de aceitação e de cancelamento e na aplicação de punições no caso de não seguir as regras das empresas”.
De acordo com o MPT, as irregularidades relacionadas ao vínculo de contratação são objeto de mais de 600 inquéritos civis em tramitação e de oito ações civis públicas ajuizadas na Justiça do Trabalho.
No total, 625 procedimentos já foram instaurados contra 14 empresas de aplicativos.
Em nota, a Uber afirma que o entendimento do MPT é equivocado e ressalta que o Tribunal Superior do Trabalho já reconheceu, em quatro julgamentos, “que não existe vínculo de emprego entre a Uber e os parceiros”.
A 99 diz que “desde a decisão do STF em 2019 e com base em argumentos jurídicos em diversos tribunais pelo Brasil, há entendimento de que não há vínculo empregatício entre motoristas-parceiros e a empresa”.
Nas ações ajuizadas na segunda, o MPT requer declaração da relação jurídica de emprego entre as empresas de aplicativo de transporte de passageiros e de mercadorias e seus motoristas e a condenação das empresas para “registrar imediatamente seus motoristas, independentemente de local de residência e da inscrição como MEI (microempreendedor individual), em carteira de trabalho”.
Cada constatação de irregularidade pode gerar multa de R$ 10 mil por trabalhador.
Além disso, pede a condenação das empresas a pagar indenização, a título de reparação pelos danos causados “por suas condutas ilegais aos direitos difusos e coletivos dos trabalhadores”, por dumping social e lesão ao erário, de valor não inferior a 1% do faturamento bruto do último exercício anterior ao ajuizamento da ação.
Os valores deverão ser revertidos ao FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), segundo o MPT.
Motoboys e ciclistas foram afetados pelas condições de trabalho na pandemia. Expostos a supermercados e ao contato com pessoas durante o período de isolamento social, foram às ruas manifestar por melhores condições de trabalho. Um protesto reuniu milhares de trabalhadores em São Paulo em julho de 2020.
Motoboys sindicalizados e outros ligados a grupos como o Entregadores Antifascistas defendem a carteira assinada. Outros protestaram por taxas melhores, mas consideram que a relação como trabalhadores autônomos é satisfatória.
“Nas investigações em face dessas empresas, o MPT verificou os elementos que configuram o vínculo de emprego previsto na CLT”, diz Kalil.
Segundo o MPT, as empresas de aplicativos não forneceram álcool em gel e máscaras de modo suficiente. Também falharam no apoio financeiro, “de forma a permitir o isolamento necessário dos trabalhadores integrantes dos grupos de risco ou daqueles que se contaminaram, em prejuízo aos trabalhadores e à sociedade consumidora”.
OUTRO LADO
Em nota, a Uber diz que não teve acesso à ação mencionada e que não recebeu nenhuma notificação do Poder Judiciário antes de ser procurada pela imprensa. Afirma que o entendimento do MPT é equivocado sobre o modelo de funcionamento da empresa e da atividade dos motoristas.
Segundo a empresa, eles não são empregados e nem prestam serviço à Uber. “São profissionais independentes que contratam a tecnologia de intermediação digital oferecida pela empresa por meio do aplicativo”, diz.
“Os motoristas escolhem livremente os dias e horários de uso do aplicativo, se aceitam ou não viagens e, mesmo depois disso, ainda existe a possibilidade de cancelamento. Não existem metas a serem cumpridas, não se exige número mínimo de viagens, não existe chefe para supervisionar o serviço, não há obrigação de exclusividade na contratação da empresa e não existe determinação de cumprimento de jornada mínima”, afirma.
A Uber também cita que diversas instâncias da Justiça do Trabalho vêm construindo jurisprudência nos últimos anos que confirma a não relação de emprego. Diz que já são mais de 1.450 decisões do tipo no Brasil.
“O Tribunal Superior do Trabalho, mais alta corte trabalhista do país, já reconheceu, em quatro julgamentos, que não existe vínculo de emprego entre a Uber e os parceiros”, destaca.
“No mais recente, a 5ª Turma afastou a hipótese de subordinação na relação do motorista com a empresa uma vez que ele pode ‘ligar e desligar o aplicativo na hora que bem quisesse’ e ‘se colocar à disposição, ao mesmo tempo, para quantos aplicativos de viagem desejasse'”.
Já a 99 afirma que é a “única empresa do setor a apresentar as informações da corrida antecipadamente ao motorista parceiro” e que essas informações são importantes, como valor aproximado, origem, destino e dados sobre o passageiro, “que permitem ao motorista tomar decisões sobre aceitar ou rejeitar a viagem antes de aceitá-la”.
“A 99 também é a única companhia em seu segmento a permitir que os motoristas parceiros rejeitem, sem limites, corridas antes mesmo de serem confirmadas para os passageiros.”
A empresa ainda diz que motoristas podem se formalizar como MEI para acessar benefícios previdenciários e proteção social via INSS, mas que não é uma exigência para cadastro na plataforma.
“Desde a decisão do STF em 2019 e com base em argumentos jurídicos em diversos tribunais pelo Brasil, há entendimento de que não há vínculo empregatício entre motoristas-parceiros e a 99”, destaca, acrescentando que se trata de uma “relação de intermediação de viagens” e que os serviços são prestados de forma livre, sem vínculo e obrigatoriedade de cumprimento de horário e jornada.
A Rappi disse que não irá comentar. A reportagem não conseguiu contatar a Lalamove. (Folhapress)