MPF entra na Justiça para incluir perguntas sobre população LGBTQIA+ no Censo 2022
O MPF (Ministério Público Federal) ingressou com uma ação civil pública na Justiça Federal do Acre para que o Censo 2022 inclua perguntas sobre população LGBTQIA+.
A ação foi ajuizada na terça-feira passada e requer que o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), responsável pelo Censo, seja obrigado a adicionar campos referentes à identidade de gênero e à orientação sexual nos questionários básico e amostral do estudo.
Procurado para comentar, o IBGE não respondeu até a publicação desta reportagem. No entanto, em nota divulgada em seu site também na terça, o instituto afirmou que o Censo “não é a pesquisa adequada para sondagem ou investigação de identidade de gênero e orientação sexual”.
“A metodologia de captação das informações do Censo permite que um morador possa responder por ele e pelos demais residentes do domicílio. Pelo caráter sensível e privado da informação, as perguntas sobre a orientação sexual de um determinado morador só podem ser respondidas por ele mesmo”, afirmou.
O IBGE disse ainda que indicadores referentes a orientação sexual serão divulgados no dia 25 de maio, como parte da PNS (Pesquisa Nacional de Saúde) realizada em 2019.
O instituto já iniciou os testes com o atual questionário do Censo e está selecionando pesquisadores.
O pedido foi feito pelo procurador regional dos Direitos do Cidadão, Lucas Costa Almeida Dias, após representação do CAV (Centro de Atendimento à Vítima) do Ministério Público do Acre.
Segundo o documento, ao qual a reportagem teve acesso, o argumento é o de que as informações estatísticas geradas pelo Censo cumprem um papel significativo papel na efetivação de políticas públicas.
Dessa forma, a ausência de perguntas que identifiquem pessoas LGBTQIA+ configurariam um empecilho para a formulação de iniciativas focadas nas necessidades dessa população.
A ação também lembra que o Brasil é o país onde mais ocorreram relatos de violência contra pessoas LGBTQIA+ pelo 13º ano consecutivo.
“Se uma das formas pensadas pelo Estado para enfrentar esse problema foi a de torná-lo visível, por meio da inclusão dos campos de identidade de gênero e orientação sexual nos boletins de ocorrência, a adição desses mesmos campos na pesquisa estatística mais relevante do país certamente evidenciaria outros desafios ainda mais elipsados”, diz o documento.
O Censo está previsto para começar em 1º de agosto deste ano. De acordo com o procurador, o pedido é para que, em 60 dias, o IBGE desenvolva e aplique essa metodologia -inclusive com treinamento para os recenseadores- sem necessidade de mudanças no calendário do Censo.
“Como isso já existe em outros países, é muito possível que o IBGE simplesmente copie a metodologia, não vai ter que inventar a roda.”
IBGE ARGUMENTA QUE DADOS SÃO SENSÍVEIS
Em novembro de 2021, o MPF já havia questionado a ausência de perguntas que identifiquem a população LGBTQIA+ no Censo 2022. Na ocasião, o IBGE afirmou que esses pontos nunca constaram nos questionários.
Segundo o instituto, o tema já tinha sido objeto de análise da Justiça em 2018, em ação que pedia a inclusão de perguntas visando a contagem da população transexual.
O IBGE argumentou que questões de identificação, que exigem o próprio como respondente, não são compatíveis com uma operação censitária.
“A investigação de gênero é considerada como quesito sensível, ou seja, quesito que pode ser considerado invasivo e pessoal pelo respondente, podendo impactar na coleta de todas as demais informações”, afirmou o instituto na época.
Os argumentos foram acolhidos e a ação civil pública foi julgada improcedente.
Segundo o IBGE, a definição dos quesitos que constam na pesquisa é um processo complexo e que envolve o atendimento à necessidade de informação da sociedade. Além disso, deve considerar fatores como a necessidade de manter a série histórica de dados, a avaliação de novas necessidades de informação, e as alternativas disponíveis de obtenção dos dados.
MPF DISCORDA DA TESE
O procurador responsável pela ação diz que a explicação dada pelo instituto não é mais válida. “O argumento de dado sensível já foi enfrentado pelo IBGE sobre cor de pele e religião, por exemplo. Os únicos pontos que até hoje não são questionados são orientação sexual e identidade de gênero”, afirma Dias.
Outro argumento apresentado pelo IBGE, segundo a ação ajuizada pelo MPF, é que países como Reino Unido, Nova Zelândia e Estados Unidos não incluem estes dados em seus levantamentos censitários.
Contudo, Dias afirma que esse ponto já foi superado em diversos locais. “A partir de 2020, alguns países fizeram pesquisas, chamaram especialistas e desenvolveram uma metodologia para perguntar como a pessoa se define”, afirma.
Inglaterra e Reino Unido, por exemplo, realizaram seu censo demográfico com questões detalhadas sobre sexualidade e identidade de gênero, medida que também foi acompanhada pelo Canadá e será incluída pela Escócia, em 2022, e pela Nova Zelândia em 2023.
IMPORTÂNCIA DO CENSO
O Censo é considerado o trabalho mais detalhado sobre as características demográficas e socioeconômicas dos brasileiros.
Na prática, os dados apurados pelo IBGE funcionam como base para uma série de políticas públicas, além de decisões de investimento de empresas.
As informações do Censo balizam, por exemplo, os repasses do FPM (Fundo de Participação dos Municípios), fonte de recursos para as prefeituras.
O levantamento costuma ser feito de dez em dez anos. A edição mais recente ocorreu em 2010.
Inicialmente, a nova pesquisa estava prevista para 2020. Contudo, a pandemia acabou impedindo o trabalho do instituto nas ruas do país no ano passado.
Em 2021, o Censo amargou novo adiamento. Desta vez, o motivo foi o corte de recursos destinados à pesquisa. (Thiago Bethônico – Folhapress/Foto: Tânia Rêgo – Agência Brasil)