MP-SP quer ouvir políticos delatados por Ecovias e mira gigante das concessões
O Ministério Público de São Paulo pretende ouvir a partir do mês que vem políticos citados na delação de um ex-executivo da concessionária Ecovias e quer aprofundar as investigações sobre a gigante que administra a concessão do sistema Anhanguera-Bandeirantes.
O acordo de não persecução cível, homologado em abril, cita a existência de um cartel para a concessão das principais rodovias paulistas e também pagamentos de propinas e caixa 2 para diversos políticos.
A partir de junho, a Promotoria do Patrimônio Público deverá passar a ouvir tanto a ala política quanto a empresarial em uma investigação civil sobre as ilegalidades citadas na delação.
O inquérito visa apurar os responsáveis por possíveis prejuízos para obter reparação -por isso, não tem enfoque criminal ou eleitoral. No caso da Ecovias, por exemplo, os valores atualizados do acordo de não persecução cível chegam a R$ 770 milhões.
No ramo político do caso, há ao menos 12 nomes citados na delação, incluindo o do ex-governador Geraldo Alckmin (PSB), vice na chapa de Lula (PT) e que nega qualquer irregularidade.
Na lado empresarial, a apuração deverá colocar lupa sobre 11 concessões, que incluem 80 empresas.
No entanto, a reportagem apurou que a Promotoria mira principalmente o sistema Anhanguera-Bandeirantes, administrado pela CCR, gigante das concessões, devido à suspeita de atuação de empresas acionistas do grupo na época do cartel citado pelo delator da Ecovias.
A delação diz, por exemplo, que a Camargo Correa, a Andrade Gutierrez e a Odebrecht -parte do consórcio vencedor da Anhanguera-Bandeirantes na época e que depois estariam entre os acionistas originais da CCR- teriam recomendado o valor de outorga que a Primav (que daria origem à Ecovias) deveria oferecer pela concessão do sistema Anchieta-Imigrantes.
A outorga é o valor que as empresas pagam ao poder público com o objetivo de administrar o sistema por um determinado período, com a obrigação de fazer investimentos e aferindo lucro sobre ele.
Pelos relatos do ex-presidente da Ecovias Marcelino Rafart Seras, as reuniões entre as empresas na época do cartel se davam no subsolo da construtora Camargo Correa, na Vila Olímpia, entre 1997 e 1998.
Segundo a delação, as empresas teriam combinado que outras empresas ofereceriam valores de outorga (pagamento ao estado pela concessão) menores, dando cobertura para que as verdadeiras interessadas pudessem ganhar e simulando competição.
“A Primav, por exemplo, que ficou com a concessão do sistema Anchieta-Imigrantes, deu ‘cobertura’ para licitação do sistema Anhanguera-Bandeirantes, vencido pelo consórcio Jaraguá [composto pelas construtoras Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, CBPO (grupo Odebrecht) e Serveng]”, diz trecho da delação.
Ao fim, a Ecovias passou a administrar o sistema Anchieta-Imigrantes, e a Autoban, hoje parte do grupo CCR, passou ficou responsável pelo sistema Anhanguera-Bandeirantes.
Em uma ação da Promotoria do Patrimônio Público de 2002, os promotores já afirmavam que, anos antes da concorrência que definiu as concessionárias, em outro processo licitatório, houve uma proposta de um consórcio que ofereceu R$ 300 milhões a mais pelo sistema Anhanguera-Bandeirantes. Isso mostraria, na visão dos promotores, o tamanho do prejuízo com apenas com este lote causado pelo cartel.
Posteriormente, a delação do ex-executivo da Ecovias ainda cita que diretores da CCR, entre executivos de outras empresas, teriam procurado a concessionária para agendamento de reunião relativa a pagamento de vantagem indevida ao TCE (Tribunal de Contas do Estado).
A delação diz que Alckmin, que será vice na chapa de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições de outubro deste ano, teria sido beneficiado pela entrega de doações irregulares que somam R$ 4,5 milhões, em quatro campanhas eleitorais. O ex-governador nega ter recebido recursos irregulares.
A Justiça Eleitoral já arquivou o caso contra Alckmin, mas na esfera civil a apuração deve continuar. A Promotoria pretende ouvir os políticos citados com o objetivo de avançar na apuração dos fatos relatados e verificar eventuais atos de improbidade.
A delação da Ecovias cita, além de Alckmin, políticos como o presidente da Câmara Municipal de São Paulo, vereador Milton Leite (União Brasil), o prefeito de São Bernardo do Campo, Orlando Morando (PSDB), e os atuais deputados estaduais Edmir Chedid (União Brasil), Roberto Morais (Cidadania) e Luiz Fernando (PT), além de ex-deputados. Todos negam qualquer irregularidade.
Além do caso de Alckmin, arquivado pela Justiça Eleitoral, a Justiça Criminal extinguiu a punibilidade sobre relato de pagamento a deputados da Alesp (Assembleia Legislativa de SP) em uma CPI sobre pedágios. No entanto, no entendimento da Promotoria, isso também não altera o inquérito civil que deve seguir adiante.
O caso é investigado pelos promotores Silvio Marques, Carlos Blat e Paulo Destro.
Eles fecharam com a Ecovias um acordo de não persecução cível de R$ 650 milhões, sendo R$ 638 milhões da concessionária e R$ 12 milhões do ex-executivo Marcelino Seras -valores que corrigidos beiram R$ 770 milhões. Desse total, parcelas de cerca de R$ 22 milhões já foram pagas pelas partes.
O pagamento pela concessionária será aplicado em obras de interesse público não previstas originalmente no contrato de concessão da Ecovias. Entre elas, estão a construção de um boulevard de cerca de 2 km nas proximidades do Complexo Viário Escola de Engenharia Mackenzie, em São Paulo, bem como em melhorias na rodovia Anchieta.
A empresa se comprometeu, no acordo, a não lucrar com essas obras. O boulevard inclui novas pistas, inclusive subterrâneas. As reuniões que decidiram sobre essa construção tiveram participação direta de João Octaviano Machado Neto, secretário de Logística e Transportes no governo estadual.
Questionada, a CCR afirmou não comentar o tema.
Já a construtora Camargo Correa afirmou que “não se manifesta sobre vazamentos de depoimentos de terceiros, protegidos por sigilo de Justiça e, neste caso, sem qualquer fundamento ou conexão com a realidade”.
“A empresa informa, ainda, que foi a primeira grande companhia de seu setor a firmar acordos de leniência com o Ministério Público Federal e com o Cade e, desde então, tem colaborado proativamente com as autoridades na investigação de qualquer denúncia de supostas irregularidades”, afirmou, em nota.
A Novonor, novo nome da Odebrecht, afirmou que tem colaborado com as autoridades “em busca do pleno esclarecimento de fatos do passado”. “Hoje, está inteiramente transformada. Usa as mais recomendadas normas de conformidade em seus processos internos e segue comprometida com uma atuação ética, íntegra e transparente.”
A assessoria da Andrade Gutierrez não enviou resposta até a publicação desta reportagem.
(Artur Rodrigues – Folhapress/ Foto: Divulgação/MPSP)