Montadoras temem perder investimentos em meio a crise política

A Anfavea (associação das montadoras) já se prepara para a próxima crise. Os sinais negativos vindos da política e da economia podem trazer queda na demanda após um longo período de filas de espera por falta de componentes nas linhas de produção.
“A gente já está com dificuldades por conta do planejamento de produção, entramos esse ano com problemas de fornecimento e de logística. Já estamos com muitos temas para fazer a gestão, e o que aconteceu ontem [os atos de raiz golpista do 7 de Setembro] não ajuda na retomada”, diz Luiz Carlos Moraes, presidente da Anfavea, durante divulgação dos resultados de agosto do setor, realizada nesta quarta (8).
“Não nos cabe aqui discutir como isso será resolvido, esperamos que o Supremo [Tribunal Federal], do ponto de vista jurídico, encontre uma solução e, do ponto de vista político, que o Congresso tenha a decisão mais sábia possível, ouvindo a sociedade”, afirma Moraes. “A imagem do país já não é boa, esses últimos eventos criam maiores preocupações em nossas matrizes.”
“Sempre que vamos discutir com as matrizes, a primeira parte das reuniões é sobre a situação política e econômica do país. Disputamos espaço com países com melhores condições de receber investimentos e com um ambiente institucional estável”, diz o presidente da Anfavea.
Quando ocorrer a nova retomada, as montadoras instaladas no Brasil precisarão disputar investimentos com outros países. E é aí que o cenário político pode ter influência negativa.
Em agosto, a produção caiu 21,9% na comparação com agosto de 2020. Em relação a julho, houve uma pequena alta de 0,3%, o que indica problemas em ambos os períodos. Foram montadas 164 mil unidades no último mês, número que inclui carros de passeio, veículos comerciais leves, ônibus e caminhões.
A regularização das linhas de montagem só deve ocorrer no segundo semestre de 2022, período que vai coincidir com as eleições presidenciais. A Anfavea sonha com a pacificação e teme que a crise institucional fomentada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) deteriore ainda mais o cenário econômico, levando os potenciais consumidores a não terem condições de adquirir um veículo novo.
“A inflação está vindo mais forte do que imaginávamos e a taxa Selic provoca o aumento do custo do CDC [crédito direto ao consumidor]. Isso, infelizmente, aumenta nossa preocupação com a capacidade de compra dos nossos consumidores”, afirma Luiz Carlos Moraes, presidente da Anfavea.
Segundo Moraes, o volume geral de exportações registrado hoje no país deveria levar o dólar para algo em torno de R$ 4,20. Isso não ocorre devido à instabilidade política. “Empresas exportadoras não estão trazendo seus dólares para o país.”
Em um passado recente, havia esperança de uma retomada consistente. Após as paradas totais ocorridas no início da pandemia, a produção teve uma alta expressiva a partir do segundo semestre de 2020. Contudo, o crescimento virou fumaça diante da falta de peças, principalmente semicondutores.
O estoque de veículos leves e pesados caiu para 76,4 mil unidades, o que representa 13 dias de vendas. “É o nível mais baixo desde que começamos a fazer essa medição”, afirma Moraes.
Sem carros para atender à demanda, os emplacamentos em agosto caíram 5,8% na comparação com o mesmo período de 2020.
Foram registrados 172,8 mil licenciamentos de carros de passeio, veículos comerciais leves, ônibus e caminhões. Em relação a julho, houve queda de 1,5%.
A média diária ficou em 7.855 unidades comercializadas, número que segue em queda desde junho.
Apesar dos gargalos, o número de empregados se manteve estável. Houve alta de 0,3% em relação a julho, e hoje há 103 mil funcionários registrados nas montadoras. Há tendência de queda até o fim do ano, à medida em que os acordos trabalhistas feitos pela Ford -que fechou suas fábricas no Brasil- sejam implementados.
O segmento de caminhões segue aquecido e tentando driblar os problemas de fornecimento de componentes. As vendas tiveram alta de 60,4% na comparação com agosto de 2020. Foram comercializadas 13 mil unidades no último mês, melhor resultado desde 2014.
“O problema dos semicondutores é mais significativo no segmento de automóveis, mas o setor de caminhões é uma surpresa boa”, diz o presidente da Anfavea, destacando as vendas para o agronegócio e serviços de transporte urbano.
As exportações também cresceram: 5,5% na comparação entre os meses de agosto e 23,9% sobre julho. Segundo o presidente da Anfavea, o mix de veículos enviados ao exterior tem contribuído para a rentabilidade no segmento.
O problema de fornecimento, entretanto, é global. Segundo a consultoria BCG, o setor automotivo deixou de produzir 4 milhões de unidades no primeiro semestre. Até o fim do ano, a empresa estima que entre 7 e 9 milhões de veículos não serão fabricados devido à falta de semicondutores.
No Brasil, a Anfavea calcula que até 280 mil automóveis leves e pesados deixarão de ser montados neste ano por falta de componentes.
“Além da Covid-19, houve o incêndio em uma fábrica de semicondutores no Japão, é uma tempestade perfeita nesse setor”, diz Moraes. “Nós vamos passar o final desse ano com essas dificuldades e vamos entrar 2022 com o problema, que só deve se revolver no segundo semestre do próximo ano.” EDUARDO SODRÉ
SÃO PAULO, SP – FOLHAPRESS)

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