Ministros do STF descartam risco de golpe e dizem que instituições funcionam
Ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) afirmaram que, apesar das ameaças golpistas do presidente Jair Bolsonaro, não há risco de ruptura democrática no país e que as instituições estão respondendo a contento.
Gilmar Mendes (foto), Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso participaram, nesta sexta-feira, de evento organizado por Comunitas, RenovaBR e Insper para discutir a proposta do semipresidencialismo.
Barroso, no entanto, fez uma ressalva que arrancou risadas da plateia: “A quantidade de vezes que me perguntam se há risco de golpe está me deixando preocupado”, disse o ministro do Supremo e presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
“Tenho a postura pública firme de negar a probabilidade de golpe e de afirmar que as instituições estão funcionando”, disse ele. “Não acho que as Forças Armadas embarcariam nesse tipo de aventura. […] A quebra da legalidade seria desmoralizante para as Forças Armadas”, emendou.
Barroso, que voltou a ser atacado por Bolsonaro nesta sexta, afirmou: “Não paro para bater boca e não me distraio com miudezas, meu universo vai além do cercadinho”. “Essa obsessão por mim não se justifica e não é correspondida.”
O presidente do TSE rechaçou o voto impresso e comentou brevemente a decisão do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), de enviar a PEC (proposta de emenda à Constituição) sobre o tema para o plenário da Casa.
Barroso disse que cabe ao Legislativo deliberar sobre o tema. “Está no lugar certo, no Congresso”, afirmou.
Os três ministros foram questionados sobre o risco real de ruptura na democracia, já que Bolsonaro, defensor do voto impresso, falou nesta semana em agir fora dos limites da Constituição.
“Tendo a pensar que a democracia está solidificada. Temos tido esses arroubos ao longo desses períodos, mas as respostas institucionais têm prevalecido. […] O Congresso Nacional e o Judiciário têm dado respostas adequadas. As Forças Armadas compreendem seu papel institucional”, disse Gilmar Mendes.
Moraes ressaltou que três pilares da democracia estão de pé: a imprensa livre, o Judiciário independente e a realização de eleições.
Barroso exaltou o papel da sociedade civil na defesa da democracia e “contra o reinado do ódio, da mentira e da desinformação”. Sua opinião é a de que “não há clima” para golpe, pois “toda a sociedade brasileira está ao lado da democracia”.
O ministro ressaltou ainda a união dos ministros do STF quando o tema é a defesa da democracia. “Não há nenhum perigo de não estarmos do lado certo nessa disputa”, disse.
A respeito do voto impresso, Barroso afirmou que se dedica a desmentir falas de Bolsonaro contra o sistema eleitoral por ser seu papel. “Se a minha atuação causa tanto incômodo, é porque está funcionando.”
Já Moraes afirmou que a defesa da impressão de comprovante de voto não tem racionalidade.
O clima entre Bolsonaro, STF e TSE esquentou após o presidente insistir nos ataques às urnas eletrônicas e na insinuação de que há um complô para fraudar as eleições de 2022 a fim de evitar sua vitória no pleito.
A corte eleitoral decidiu, por unanimidade, abrir um inquérito para apurar as acusações feitas pelo presidente, sem provas, de que o TSE frauda as eleições.
Depois, Barroso assinou uma queixa-crime contra chefe do Executivo e recebeu o aval do plenário da corte eleitoral para enviá-la ao STF.
Na última quarta-feira (4), o corregedor-geral do TSE, ministro Luís Felipe Salomão, solicitou ao Supremo o compartilhamento de provas dos inquéritos das fake news e dos atos antidemocráticos com a ação que pode levar à cassação de Bolsonaro. No mesmo dia, Moraes aceitou a queixa-crime de Barroso e incluiu Bolsonaro como investigado no inquérito das fake news.
Moraes afirmou que as medidas foram uma resposta às falas de Bolsonaro que, para além dos xingamentos pessoais aos ministros do STF, têm gravidade institucional.
Questionado a respeito do encontro desta sexta entre o presidente do STF, Luiz Fux, e o procurador-geral da República, Augusto Aras, Gilmar Mendes apenas comentou que, ao fim das investigações sobre Bolsonaro, caberá à Prpcuradoria-Geral da República oferecer eventual denúncia. “Não cabe ao Judiciário fazer ele próprio a acusação.”
Instado a comentar o papel do Congresso na resposta às ameaças de Bolsonaro e a possibilidade de impeachment, Barroso afirmou que “o universo da especulação política” não pertence aos juízes.
“O Legislativo cumpre bem seu papel. Sobre impeachment não nos cabe opinar. É preciso que haja elementos consistentes e não sou eu que julgo”, disse.
Falando de maneira teórica sobre democracia e sem mencionar explicitamente o Brasil e Bolsonaro, Barroso afirmou que muitos países vivem a “mentirocracia”.
Questionado por jornalistas se o Brasil se encaixa nessa conjuntura, respondeu que não falou de países em específico, “embora o Brasil esteja no mundo” -ressalva que novamente arrancou risos dos ouvintes.
“É a difusão da inverdade e das narrativas falsas como método de governo. Criam-se milícias de fanáticos e de mercenários que vivem de disseminar ódio, desinformação e teorias conspiratórias com o propósito de quebra das instituições e de instalar regimes autoritários”, disse Barroso. “É o que se tem visto mundo afora.”
Além de crise na economia e da pandemia, alguns países vivem crise moral, declarou Barroso. “Quando a mentira e a falsidade integram a vida cotidiana como se fossem coisas naturais”, disse.
Barroso afirmou que, nas democracias, as cortes constitucionais têm o papel de limitar o poder dos governantes, o que gera tensões. Nas democracias desenvolvidas, porém, disse ele, essas tensões são absorvidas “institucionalmente e civilizadamente”.
O presidente do TSE falou ainda sobre a crise da democracia em vários países, que ele atribui à conjunção de três fatores: populismo, autoritarismo e extremismo. “É a desconstrução da democracia por líderes políticos eleitos”, afirmou Barroso -novamente sem mencionar Bolsonaro.
Tratando de reformas institucionais debatidas no evento -que teve a presença de acadêmicos e dos ex-presidentes Michel Temer (MDB) e Fernando Henrique Cardoso (PSDB)-, Barroso fez críticas ao distritão, à judicialização excessiva e ao que chamou de hiperpresidencialismo.
O distritão, na opinião de Barroso, encarece as eleições, enfraquece os partidos e dizima as minorias políticas. Já o hiperpresidencialismo seria uma usina de crises, segundo ele, pois a concentração de poder no presidente da República gera tentação autoritária ou faz o chefe do Executivo refém do fisiologismo do Congresso.
Barroso fez uma defesa do semipresidencialismo, ainda que não para a eleição de 2022 e sim mais para frente. Na avaliação do ministro, o modelo permite a troca do governo sem abalar a estabilidade institucional, enquanto no presidencialismo “a crise é prolongada sem alternativa institucional para encerrá-la”.
Temer e FHC também condenaram os recentes ataques de Bolsonaro ao STF.
“Bolsonaro está se isolando e demonstrando ímpeto autoritário, não é esse o sentimento real da maioria dos brasileiros”, afirmou FHC. O ex-presidente afirmou que a postura de Bolsonaro é lamentável e está equivocada. “Qualquer tentativa de ser contra a legalidade eu estarei contrário”, completou.
“Vai haver eleição, há forte probabilidade, independentemente de gostarem ou não. E vai haver mais de um candidato”, disse ainda o tucano.
Já Temer lembrou que a Constituição Federal determina a harmonia entre os Poderes e, portanto, afirmou que os ataques de Bolsonaro ao STF e ao Legislativo são inconstitucionais.
Os dois também defenderam a construção de uma terceira via para a eleição de 2022. FHC disse não estar satisfeito nem com Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e nem com Bolsonaro. Sem citar nomes, afirmou que o país precisa de um presidente mais jovem do que ambos.
“Estarei disposto a ajudar na construção de um caminho que evite a dicotomia”, disse o ex-presidente.
Para Temer, “o eleitor tem direito de ter uma terceira opção” e a terceira via é “uma necessidade”.
Fernando Henrique disse não ter uma visão pessimista sobre o que vai acontecer com o país. Segundo o ex-presidente, falando implicitamente sobre Bolsonaro, “vivemos no tempo de respeito às regras” e “é difícil desrespeitar as regras”.
“A nossa democracia dá para o gasto”, declarou a respeito da necessidade de mudanças institucionais. “As reformas fundamentais já aconteceram”, completou.
O tucano falou sobre o exercício da Presidência e disse que “fez escolinha para ser presidente”. Ele afirmou que o chefe do Executivo deve ouvir a todos, levar em consideração opiniões diferentes e exercer liderança. Inclusive, reforçou o ex-presidente, é preciso dialogar com as Forças Armadas sem medo.
Um presidente, afirmou FHC, “tem que entender que não é o dono da bola e que sua palavra pesa”.
Ao contrário de acadêmicos e de FHC e em conssonância com Gilmar e Barroso, Temer defendeu a necessidade de uma reforma institucional para instalação do semipresidencialismo, modelo em que o presidente é o chefe de Estado, mas o governo é levado a cabo pelo primeiro-ministro, como ocorre em Portugal.
Temer afirmou que a mudança poderia valer a partir de 2026 para evitar questionamentos jurídicos, mas afirmou ser favorável da mudança o quanto antes.
“Essa legislatura poderia discutir o tema. Quando o Congresso quer, ele vota. Se o semipresidencialismo fosse aplicado em 2022 eu acharia ótimo, quanto antes aplicar melhor.”
Temer argumentou que o presidencialismo é fonte de instabilidade e “está roto e esfarrapado”. Como exemplo de instabilidade, o emedebista citou os pedidos de impeachment -e a realização de dois impeachments no período democrático recente, fazendo a ponderação de que um deles o levou ao poder.
“Reconheço que impedimento gera uma instabilidade interna extraordinária”, disse. (Carolina Linhares – Folhapesss)