Minirreforma trabalhista troca salário por bolsa, reduz FGTS e cria emprego sem vínculo
A Câmara concluiu nesta quinta-feira a votação do projeto que tem sido chamado de minirreforma trabalhista, por criar novas modalidades de contratações e mudar normas da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).
O texto-base foi aprovado na terça-feira passada por 304 votos a favor e 133 contrários. Os deputados analisaram sugestões de mudanças na proposta, que, agora, segue para o Senado. Se não for votado até 7 de setembro, perde a validade.
Inicialmente a proposta enviada pelo governo, em abril, tinha 25 artigos. O objetivo era prorrogar o programa emergencial de corte de jornada e de salários de trabalhadores da iniciativa privada, que foi criado por causa da crise da Covid-19. Isso ocorreu por meio de uma MP (medida provisória).
A versão aprovada pela Câmara tem quase 100 artigos, cria três novos programas trabalhistas, defendidos pela equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes (foto) e Onyx Lorenzoni (Trabalho e Previdência), e torna permanente o programa de corte de jornada a ser acionado em situação de calamidade.
De forma geral, os novos programas permitem contratações com regras mais flexíveis. O custo desses programas à União deve ser de pelo menos R$ 41,1 bilhões de 2022 a 2026.
A oposição tentou desidratar o texto durante a votação de destaques, mas não conseguiu.
O pacote trabalhista também prevê mudanças nas regras da CLT que tratam de fiscalização trabalhista, restringe acesso à justiça gratuita em questões trabalhistas e também altera a jornada complementar de atividades e profissões com carga horária diferenciadas, como professores.
O relator da MP, deputado Christino Áureo (PP-RJ), nega que a proposta seja uma minirreforma trabalhista. Integrantes do governo dizem que o objetivo é estimular a geração de empregos e a entrada de jovens no mercado de trabalho.
Em nota, entidades do Ministério Público, como a ANPT (Associação Nacional dos Procuradores e das Procuradoras do Trabalho), se posicionaram contra modificações feitas pelo Congresso.
O primeiro programa trabalhista previsto no projeto é o Requip (regime de qualificação profissional). A medida é voltada para pessoas entre 18 anos e 29 anos, ou desempregadas há mais de dois anos, ou beneficiários de programas federais de transferência de renda.
Esse regime vinha sendo prometido por Guedes. O contrato para a prestação de serviços ou trabalho eventual na empresa não poderá exceder 22 horas semanais, e precisa estar vinculado a um curso de qualificação. O curso pode ser ofertado pelo Sistema S ou pelo patrão.
O plano prevê a criação do BIP (Bônus de Inclusão Produtiva) e do BIQ (Bônus de Incentivo à Qualificação), ambos pagos ao trabalhador em treinamento. Com isso, o valor recebido seria de R$ 550 por mês.
O BIP, pelo desenho, será pago pelo governo. Já o BIQ seria a parcela da empresa.
Diante da dificuldade de encontrar um formato para pagar o BIP, a versão aprovada nesta terça permite que o valor do bônus seja descontado pela empresa na hora em que for pagar contribuições sociais ao Sistema S.
Assim, a parcela da União (BIP) seria na forma de redução de encargos trabalhistas para os patrões. A compensação é limitada a 15% das contribuições sociais obrigatórias. Isso deve representar cerca de R$ 1 bilhão por ano para o programa.
Numa versão preliminar do relatório de Áureo, foi sugerido um corte de 30% nos recursos do Sistema S para financiar esse programa. Mas o governo e o deputado tiveram que recuar diante de críticas no Congresso.
O texto aprovado prevê também recursos da União, do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) e do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza para bancar o programa.
A duração desse programa deve ser de três anos, mas os contratos devem ser de 12 meses, podendo ser prorrogado por mais um ano. Haverá um recesso de 30 dias se o contrato for renovado, e o trabalhador receberia o bônus no período.
Não há previsão de contribuição ao FGTS. Se quiser contar o período de trabalho como tempo de contribuição para se aposentar futuramente, será necessário pagar à Previdência Social como se fosse um trabalhador autônomo. Ou seja, precisa emitir uma guia para o recolhimento.
As alíquotas para contribuinte facultativo do INSS, porém, podem ser mais elevadas (de 11% a 20%) que as taxas cobradas para quem tem carteira assinada, que variam de 7,5% a 14%. Há uma alíquota de 5% para os facultativos, mas limitada a beneficiários de programas sociais.
Se não fizer o recolhimento ao INSS, os meses de contrato no Requip não serão considerados para a aposentadoria.
A segunda modalidade trabalhista a ser criada pelo projeto é o Priore (Programa Primeira Oportunidade e Reinserção no Emprego). Ele é destinado a jovens de 18 a 29 anos com primeiro registro na carteira de trabalho e pessoas com 55 anos ou mais e que estejam sem vínculo formal de emprego há mais de 12 meses.
Nesse tipo de programa, haverá uma redução do recolhimento para o FGTS dos empregados. A alíquota mensal, que normalmente é de 8%, cairia para 2% (no caso de microempresas), 4% (empresas de pequeno porte) e 6% (demais empresas).
O objetivo é cortar custos para o patrão contratar jovens. Por outro lado, os novos trabalhadores recebem menos na conta do FGTS por um período.
Pelo texto, a remuneração nesse contrato não pode passar de dois salários mínimos (R$ 2.200). Essa modalidade deve ser feita exclusivamente para novas vagas.
O contrato do Priore terá duração máxima de 24 meses. Se esse período for ultrapassado, será convertido automaticamente em contrato por prazo indeterminado.
Direitos como o 13º salário e férias estão mantidos nesse programa. Os contratados via Priore terão prioridade para participar de ações de qualificação profissional e, assim, receberiam o BIP.
O terceiro novo tipo de contratação foi pedido por Onyx. É o Programa Nacional Prestação de Serviço Social Voluntário, também com foco em jovens de 18 anos a 29 anos, além de pessoas acima de 50 anos.
O programa permite que prefeituras possam contratar temporariamente pessoas para serviços e, em troca, pagar uma remuneração que não pode ser inferior ao salário-mínimo hora (cerca de R$ 5). A União poderá ajudar nesse pagamento, em até R$ 125 por mês.
Segundo o projeto, as prefeituras não podem realizar esses contratos temporários para atividades de profissões regulamentadas ou de cargos e empregos públicos.
O relator afirmou que o objetivo é dar condições de emprego a pessoas que hoje não estão no mercado de trabalho. “As medidas aqui propostas são o encadeamento da possibilidade de retomada da economia”.
Para o deputado Danilo Cabral (PE), líder do PSB na Câmara, a MP “representa uma nova fragilização das relações de trabalho e uma nova reforma trabalhista”. “Em vez de gerar oportunidade de empregos, na verdade, ela vai precarizar essa relação e colocar mais trabalhadores nas ruas”.
Aliado do governo, o deputado Darci de Matos (PSD-SC) afirmou que a proposta visa combater o desemprego. “O governo federal, com o apoio da Câmara, está criando condições, está criando um ambiente favorável por meio de alguns programas exatamente para combater esse mal que atinge mais de 13 milhões de desempregados no Brasil.”(Thiago Resende e Danielle Brant – Folhapress)