Mesmo com arcabouço, déficit primário pode persistir até 2031

Mesmo com arcabouço, déficit primário pode persistir até 2031

Os primeiros cenários econômicos traçados com parâmetros da nova regra fiscal proposta pelo Ministério da Fazenda reforçam a percepção de que o governo terá dificuldades para colocar as contas públicas no azul nos primeiros anos de vigência do arcabouço.

Em relatório a clientes, a equipe econômica da Warren Rena diz que é possível cumprir a regra de gasto, mas é difícil alcançar a meta do chamado resultado primário, que avalia a relação entre receitas e despesas do governo. Nesse contexto, a dívida pública também tende a manter a trajetória de alta por um tempo.

Procurado pela reportagem para comentar as projeções, o Ministério da Fazenda afirmou, por meio de sua assessoria, acreditar que as metas do novo arcabouço fiscal são factíveis e compatíveis com as medidas que foram e continuarão sendo tomadas para se recuperar a base fiscal do país.

As simulações da Warren Rena apontam que, no cenário base (o mais provável), as receitas superariam as despesas, levando ao chamado superávit primário, apenas em 2032. No cenário mais otimista, um superávit poderia ser registrado em 2027.

Já o Ministério da Fazenda projeta melhoras de curto prazo no resultado primário. A expectativa do governo é que o déficit na casa de 0,5% do PIB (Produto Interno Bruto) previsto para este ano pode ser zerado em 2024, e seguido de superávits de 0,5% e 1% nos anos de 2025 e 2026, respectivamente.

“No nosso cenário base isso não acontece”, afirma o economista-chefe da Warren Rena, Felipe Salto, que participou da criação e foi o primeiro diretor-executivo da IFI (Instituição Fiscal Independente) do Senado Federal, organismo que monitora as contas públicas. Ele também foi secretário da Fazenda de São Paulo (2022).

“Resultados positivos dependeriam de um grande volume de receitas, a partir de esforços fiscais adicionais ou extras, que até agora não estão garantidos.”

Salto pondera que, de fato, como afirma o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, algumas medidas poderiam ajudar nesse esforço, como o fim da subvenção baseada no ICMS (que está sendo discutida no Judiciário) e a redução de gastos tributários (desonerações concedidas para setores e regiões que, para serem alteradas, dependem, em muitos casos, de aprovação do Congresso).

“A subvenção baseada no ICMS é um disparate. Tem de acabar. Reduzir gastos tributários é fundamental, e espero que o governo consiga “, afirma Salto. “Mas não é o cenário mais provável hoje”.

Na caso da subvenção, por exemplo, o governo obteve vitória no STJ (Superior Tribunal de Justiça). A decisão limitou a possibilidade de empresas usarem benefícios fiscais de ICMS para reduzir a base de incidência de dois tributos federais (IRPJ e CSLL). Ficou decidido que o benefício só vale quando relacionado a investimentos, e não a despesas correntes, como muitas empresas haviam adotado.

O efeito prático da medida havia sido suspenso pelo ministro André Mendonça, do STF (Supremo Tribunal Federal), até que a corte também avalie o tema. Nesta quinta (4), no entanto, Mendonça voltou atrás e validou os efeitos de decisão do STJ. A Receita Federal estima que uma decisão final favorável pode garantir até R$ 90 bilhões adicionais.

O plenário do STF precisaria validar ou não a decisão de Mendonça. Ao voltar atrás, o ministro do STF diz que a sessão de julgamento se torna desnecessária e pede à Presidência da Corte seu cancelamento.

Salto, no entanto, lembra que mesmo em caso de vitória do governo, o resultado tributário efetivo ainda vai depender do comportamento das empresas, e também como os estados vão reagir. Nas estimativas dele, o item renderia no máximo R$ 42 bilhões para a União.

O economista destaca que as simulações deixam claro que haverá uma melhora nas trajetórias dos principais indicadores, ainda que num prazo mais longo que o anunciado.

“A regra de gasto melhora a perspectiva de resultado primário”, afirma. “Sem ela, o déficit seria o que se vê no quadro pessimista.” Nesse cenário, o déficit permanece nesta década e no início da próxima.
A equipe da Warren Rena também aponta pressões sobre as despesas.

O salário mínimo crescendo pelo PIB de dois anos antes, por exemplo, tende a pressionar as contas da Previdência, reduzindo o espaço de despesas discricionárias.

A política de pessoal também gera impactos. Quando se considera a possibilidade de reajustes pela inflação, a conta sobe muito em relação ao cenário base, que contempla apenas a taxa vegetativa de expansão dessa despesa.

A equipe da Warren Rena ainda avaliou a projeção da Dívida Bruta do Governo Geral, o principal indicador de dívida pública, juntamente com a Dívida Líquida do Setor Público, nos cenários base, otimista e pessimista.

A trajetória da dívida, diz Salto, não é a melhor possível no cenário base, por exemplo, mas o estudo mostra que o arcabouço ajuda, sim, a afastar o risco de um cenário fiscal muito ruim.

No relatório mais recente sobre esses dados, de março, a dívida bruta estava em 73% do PIB, e a dívida líquida, em 57,2%.

Nos cenários base e também no pessimista, a dívida sobe continuamente, sendo que no cenário pessimista, o ritmo é mais acelerado. A queda ocorre apenas no cenário otimista.

A dívida bruta, em 2032, chegaria a 89,9% do PIB no cenário base, e a 104,2% no cenário pessimista. Já no cenário otimista, a dívida cresceria moderadamente até o pico de 77,7%, em 2028, caindo daí em diante a 76,1%, patamar inferior ao registrado atualmente.

A dívida líquida teria trajetória similar, mas desfecho um pouco diferente. No cenário base alcançaria 75,16% do PIB. No pessimista, iria a 89,63%. No otimista, subiria até 62,51% em 2027, caindo para 60,17% do PIB em 2032, valor acima do atual.

Assim como outros economistas, a equipe da Warren Rena defende que o mecanismo de penalidade em caso de descumprimento das metas deveria ser aperfeiçoado.

Como penalidade, a proposta define que o percentual aplicado sobre a variação real da receita passa de 70% para 50%, o que reduz a correção da despesa do ano seguinte ao do descumprimento.

“A regra de primário passa a ser, com o arcabouço fiscal aprovado, uma regra auxiliar para acionar mecanismos de ajuste nas despesas. É uma forma inteligente de relacionar as duas limitações -a meta de primário e o limite de despesas”, afirma Salto.

“Contudo, seria salutar que se apertasse o gatilho do teto de gastos, de 50% para 20%, e que uma lista de medidas de ajuste automáticas fosse prevista ou ao menos indicada, o que poderia ser feito inclusive por meio da própria LDO [Lei de Diretrizes Orçamentárias].”

Assinam o relatório junto com Salto os analistas de macroeconomia Josué Pellegrini e Fernanda Castro. O texto foi distribuído a clientes.

O QUE PROPÕE O NOVO ARCABOUÇO FISCAL

DETALHADO NO PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR 93/2023

– O PLP 93/2023 traz uma regra de correção da despesa primária, com base na evolução da receita, e uma trajetória para o resultado primário até 2026

– A despesa poderá crescer, a cada ano, a no máximo 70% da variação real da receita primária total, líquida de transferências a estados e municípios, excluídas as receitas com dividendos, concessões e exploração de recursos minerais

– A variação da receita corresponderá à relação entre a arrecadação acumulada em 12 meses até junho do ano anterior e a arrecadação dos 12 meses anteriores. – A variação do IPCA utilizada para o cálculo da receita real será a relativa ao acumulado em 12 meses até junho do ano anterior

– Entretanto, encontrado o percentual de variação real da despesa sujeita ao teto, 70% da variação real da receita, o percentual se juntará à inflação de janeiro a dezembro do ano anterior para chegar ao percentual a ser aplicado à despesa sujeita ao teto do período anterior, levando, por fim, à despesa limite do exercício

– Traz também limites mínimo e máximo para o aumento real da despesa, de 0,6% e 2,5%, respectivamente, de tal modo que só prevalecerá a regra descrita, quando os 70% aplicados sobre a variação real da receita se situarem dentro desse intervalo

– Fixa um piso para investimento, de aproximadamente R$ 75 bilhões para 2023, que deve ser mantido em termos reais (corrigido pela inflação) nos anos seguintes, assegurando que o investimento público terá seu valor real preservado a cada orçamento anual

– Em caso de descumprimento da meta fiscal, percentual aplicado sobre a variação real da receita passa de 70% para 50%, reduzindo a correção da despesa do ano seguinte ao de descumprimento

– Também em caso de descumprimento, o presidente da República deverá enviar mensagem ao Congresso até 31 de maio para explicar os motivos do descumprimento e as medidas corretivas.

(Alexa Salomão – Folhapress /Foto: Ronny Santos/Folhapress)

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