Liz Truss reconhece ‘tempestade’, mas defende gestão após 1º mês turbulento no Reino Unido
Assim que assumiu como primeira-ministra do Reino Unido, há exatamente um mês, Liz Truss prometeu no discurso de posse “colocar a nação no caminho do sucesso”. Em 30 dias no cargo, porém, a via foi mais de turbulência, que atingiu o mercado financeiro, os rumos das crises que os britânicos enfrentam e a popularidade de seu Partido Conservador -que tem o futuro no poder já sob ameaça.
O clima é tal que nesta quarta (5) a política usou o discurso que encerrou o congresso anual da legenda para fazer uma enfática defesa de seu plano, tentando consolidar uma autoridade cada vez mais questionada.
É verdade que ela herdou múltiplos problemas de Boris Johnson: inflação acima de 10% pela primeira vez em 40 anos, alta do custo de vida, o descrédito devido ao “partygate” -escândalo de políticos quebrando regras de isolamento na pandemia que, por fim, levaria à queda do antecessor. Houve também o imponderável da morte da rainha Elizabeth 2ª no segundo dia da gestão, com o luto nacional levando por terra o compromisso de agir rápido.
A questão é que, quando o novo secretário de Finanças, Kwasi Kwarteng, anunciou no último dia 23 um pacote de corte de impostos de 45 bilhões de libras -o maior em 50 anos- e aumento de empréstimos, a situação piorou.
O mercado reagiu mal. A moeda britânica caiu para o menor patamar em relação ao dólar desde 1985, e o Banco da Inglaterra se dispôs a comprar 65 bilhões de libras em títulos do governo para salvar fundos de pensão. Até o Fundo Monetário Internacional (FMI) fez uma rara crítica pública à sexta maior economia do mundo. E, nesta quarta, as taxas de juros passaram de 6%, em média -o mais alto índice desde a crise financeira de 2008-, impactando milhões de britânicos com financiamentos imobiliários.
Acusada de aumentar a dívida do país e governar para os ricos, Truss diz que essa é a única maneira de a economia crescer. “Nesses tempos difíceis, devemos agir. Estou decidida a fazer o Reino Unido avançar para superar a tempestade”, afirmou, em fala de mais de 30 minutos, na qual foi aplaudida de pé pelos conservadores, mas brevemente interrompida por ativistas da ONG Greenpeace com a faixa “Quem votou por isso?”.
“Cortar impostos é a coisa certa a fazer, moral e economicamente. Por muito tempo o debate econômico foi sobre como repartir uma torta limitada. Em vez disso, temos que fazer a torta crescer para que todos possam receber um pedaço maior”, disse a primeira-ministra. “Sempre que há uma mudança, há uma desordem. Nem todos serão a favor, mas o mundo inteiro se beneficiará do resultado.”
Para Tony Travers, professor do Departamento de Governo da London School of Economics, a grande falha do governo foi ter feito um plano às pressas. “Políticos dirão que a culpa é de [Vladimir] Putin, que o mesmo acontece em outros países, é um fenômeno global. Mas ninguém no mercado financeiro acredita nisso”, disse.
“Anunciaram um corte radical de impostos e subsídio de energia sem preparar o sistema político ou o mercado e sem incluir no cenário instituições que dão credibilidade ao governo, como o Escritório de Responsabilidade Orçamentária.”
A desvalorização da moeda, por outro lado, não preocupa tanto o especialista. “Crises na libra fazem parte da vida pública britânica. Na história recente, houve uma por causa da Crise de Suez em 1956, outra épica na Quarta-Feira Negra em 1992. Esses ‘dramas’ e seus impactos políticos não são algo novo; o Reino Unido se recupera e segue em frente.”
Sob pressão, porém, Kwaseng e Truss voltaram atrás nesta semana e desistiram de reduzir a alíquota de imposto de renda de quem ganha acima de 150 mil libras por ano. Apesar do início problemático, Travers não acredita que Truss esteja ameaçada -ainda.
“É muito difícil imaginar os conservadores se livrarem dela tão rapidamente. Eles já tiveram quatro líderes, e portanto quatro primeiros-ministros, desde 2010. Ter o quinto os faria parecer um partido político desesperado que busca transferir o próprio problema para o país. Ela está a salvo.”
Não dá para dizer o mesmo da legenda em si, entretanto. Uma pesquisa de opinião do instituto YouGov na semana passada mostrou Truss com menos popularidade que Boris em seus piores momentos e deu aos trabalhistas vantagem de 33 pontos percentuais sobre os rivais. No sistema britânico, eleitores votam nos deputados que compõem o Parlamento, e o líder da sigla que detém a maioria é o primeiro-ministro.
As próximas eleições gerais são em 2024, mas a oposição aproveita o momento. O líder trabalhista, Keir Starmer, disse que “o governo perdeu o controle da economia”, e mesmo um conservador, o ex-secretário de Transportes Grant Shapps, afirmou que Truss poderia enfrentar um voto de censura de seus correligionários se não começar a melhorar sua aprovação.
“Sob a liderança de Starmer, o partido se tornou mais moderado. Mas o mais benéfico para os trabalhistas é o fato de os conservadores terem feito mal para a própria imagem. Historicamente, eles são conhecidos por gerenciar bem a economia, ter estado no poder por 65% do tempo desde 1945. Ao mancharem essa reputação, mancham o motivo pelo qual foram bem-sucedidos por tanto tempo”, diz Travers.
“Os conservadores estão no poder há mais de 12 anos e ficaram períodos longos para um único partido em uma democracia. Também lutam contra uma inevitável perda de apoio que qualquer sigla tem com o tempo nesse sistema. Mas, como em uma previsão do tempo, o clima está pior agora do que em qualquer ponto dos últimos 12 anos e meio.”
(Marina Izidro – Folhapress /Foto: A7 Press/Folhapress)