Justiça manda ocultar nome de torturador, ex-coronel da PM, de dossiê da Comissão da Verdade

Justiça manda ocultar nome de torturador, ex-coronel da PM, de dossiê da Comissão da Verdade

 A Justiça Federal de Pernambuco determinou que o nome do coronel da PM Olinto de Souza Ferraz fosse retirado dos relatórios da Comissão Nacional da Verdade (CNV), que investigou os crimes cometidos por agentes do Estado durante a ditadura militar (1964-1985).
Com isso, os documentos oficiais da CNV, preservados pelo Arquivo Nacional, tiveram ao menos três páginas adulteradas. Tarjas pretas foram dispostas sobre as menções ao nome do então chefe da Casa de Detenção do Recife. O caso foi revelado pelo grupo de pesquisadores Giro da Arquivo, da Universidade Federal de Santa Maria.
Listado nos documentos entre os autores “das graves violações de direitos humanos” do período, Olinto dirigia a Casa de Detenção do Recife em 1971, quando Amaro Luiz de Carvalho (1931-1971), militante do Partido Comunista Revolucionário (PCR), foi morto ali, preso.
Na época, a Secretaria de Segurança de Pernambuco chegou a divulgar que Amaro havia morrido envenenado por seus pares –versão que foi contestada pela própria investigação do caso. O atestado de óbito do militante aponta que sua morte se deu por “hemorragia pulmonar decorrente de traumatismo de tórax por instrumento cortante”.
A Comissão concluiu que Amaro morreu em decorrência de “ações perpetradas pelo Estado” e recomendou a continuidade das investigações, identificação e responsabilização dos agentes envolvidos no assassinato.
A decisão judicial em primeira instância que retirou o nome do ex-coronel da PM dos relatórios da CNV é resultado de um processo movido em 2019, contra a União, por Marcos Olinto Novais de Sousa e Maria Fernanda Novais de Souza Cavalcanti, filhos do ex-coronel pernambucano.
Em sua decisão, o juiz federal Hélio Silvio Ourém Campos determinou “a retirada do nome do falecido Olinto de Souza Ferraz de qualquer menção a tortura com participação direta ou indireta por ação ou omissão”.
O magistrado entendeu que, “diante da inexistência de fatos concretos negativos contra o militar em questão e da incerteza quanto a sua suposta omissão por ser Diretor da Casa de Detenção, à época da morte de Amaro Luiz de Carvalho”, seria necessário “extirpar qualquer má interpretação acerca dos fatos” para “preservar a imagem, honra do militar e de sua família”.
Com isso, a versão dos documentos oficiais da CNV, preservados pelo Arquivo Nacional, foram tarjados de preto, e o nome do ex-coronel da PM só pode ser lido nas versões anteriores, originais, que circularam à época de seu lançamento, em 2014.
O processo foi tratado como uma “anonimização” no âmbito do Arquivo Nacional, que recebeu a decisão juntamente com um parecer de força executória da AGU (Advocacia-Geral da União), que estabeleceu que “a decisão proferida possui executoriedade imediata, pois estão presentes todos os requisitos para cumprimento da obrigação de fazer que incumbe à União”.
Para o cientista político Paulo Sérgio Pinheiro, membro da CNV, da qual foi coordenador, a decisão judicial é “um absurdo”.
“Trata-se de uma tentativa de encobrir uma investigação feita por um órgão do Estado, como foi o mandato da Comissão, e se impõe como censura ao que foi revelado”, avalia. “A Advocacia-Geral da União, que deveria zelar pelo relatório da CNV, tomou a decisão temerária de fazer cumprir a decisão. Mas não existe no Brasil um direito ao esquecimento, como o Supremo Tribunal Federal já estabeleceu.”
A ONG Transparência Brasil, em seu perfil no Twitter, avaliou que “a decisão viola claramente 2 pontos da LAI [Lei de Acesso à Informação]”. E cita o parágrafo único do art. 21, que diz que “o acesso a informações que tratem de condutas de violação de direitos humanos praticados por agentes públicos ou a mando de autoridades públicas não pode ser restringido”.
Cita, ainda, o inciso 4º do artigo 31, que estabelece que “a restrição de acesso à informação relativa à vida privada, honra e imagem de pessoa não poderá ser invocada com o intuito de prejudicar processo de apuração de irregularidades em que o titular das informações estiver envolvido, bem como em ações voltadas para a recuperação de fatos históricos de maior evidência”.
Por meio de nota, o Arquivo Nacional informou que “a decisão foi cumprida, e as alterações foram implementadas no documento que pode ser visualizado no Sistema de Informações (Sian)”.
O texto diz ainda que “o Arquivo Nacional vê com preocupação decisões judiciais que vão de encontro às recomendações -nacionais e internacionais- da área de arquivos, e ao direito de acesso à informação consagrado na Lei n.º 12.527/2011, a Lei de Acesso à Informação.”
Também por meio de nota, a AGU informou que “não houve recurso tendo em vista o não preenchimento dos requisitos legais autorizadores à interposição do apelo”. (Fernanda Mena – Folhapress)

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