Investimento em empresas fora da Bolsa resiste a maré baixa
Sem ofertas públicas iniciais (IPOs, na sigla em inglês) em 2022, a Bolsa de Valores brasileira é um dos termômetros da dificuldade que empresas locais enfrentam para ganhar valor de mercado neste ano em que a inflação mundial catapultou taxas de juros e, consequentemente, criou uma ameaça ao crescimento da economia global.
Mas apesar do apagão nas aberturas de capital no Brasil, o segmento de investimento em cotas de companhias negociadas fora da Bolsa mostra resistência.
É o mercado de participação no capital privado, também conhecido como private equity e venture capital, sendo o primeiro focado em empresas amadurecidas e o segundo voltado às de maior potencial de crescimento.
Nos primeiros cinco meses deste ano, o patrimônio líquido da indústria de FIPs (Fundos de Investimentos em Participações) soma quase R$ 581 bilhões, valor 16% superior aos R$ 502 bilhões acumulados até o final do ano passado e dez vezes maior do que os cerca de R$ 55 bilhões anotados em 2011, segundo levantamento da Quantum Finance.
Nesse intervalo de pouco mais de uma década, o número de FIPs passou de 139 para 1.220. A quantidade de cotistas avançou de 468 para 35.152.
Embora não seja possível apontar a quantidade de novas empresas que buscaram capitalização nesse segmento, nem afirmar que companhias trocaram a Bolsa pelo capital privado, os dados da evolução dos fundos privados mostram uma constância que se contrapõe à abrupta interrupção da onda de IPOs.
Antes de cessarem em 2022, as ofertas iniciais na Bolsa tinham atingido o recorde de 46 em 2021.
É a alta dos juros a responsável pelo sumiço de novas empresas na Bolsa. Taxas elevadas aumentam o retorno da renda fixa, opção com maior liquidez e risco inferior ao investimento em renda variável, principalmente no caso de companhias novatas no mercado.
Em outras palavras, se os juros sobem, investidores ficam indispostos a pagar valores mais altos por ações.
“O aumento das taxas de juros espreme o valor de mercado das empresas, que não conseguem impor o preço que elas gostariam às suas ações e o negócio não acontece”, explica João Daronco, analista da Suno Research.
A renda fixa aquecida, entretanto, também reduz o apetite de investidores domésticos para o mercado de capital privado, ressalta Carlos Miranda, presidente da X8 Investimentos.
Mas a desvalorização do real frente ao dólar cria, segundo ele, oportunidades favoráveis nesse segmento para estrangeiros.
A vantagem da taxa de câmbio também vale para o investimento do exterior na Bolsa brasileira. Mas no caso do private equity , o investidor fica menos exposto às oscilações do mercado de ações, sobretudo em períodos de instabilidade, como um ano de eleições presidenciais.
“O investimento direto está menos suscetível à volatilidade do mercado, muitas vezes provocada por uma percepção de risco que nem sempre existe”, diz.
Miranda e Daronco consideram, porém, que a crescimento do mercado de capital privado não tem relação direta com a queda dos IPOs, mas sim com vislumbres de oportunidade por parte de investidores.
Para o analista da Suno, o crescimento seria fruto da popularização dessa modalidade. A criação de fundos acessíveis a pessoas físicas pelas corretoras explicaria o fenômeno.
Danielle Lopes, sócia e analista de ações da Nord Research, concorda que a ainda incipiente democratização do ramo é um trunfo para a expansão, apesar da crise.
Ela não descarta, porém, a relação com a queda dos IPOs e a possibilidade de que empresas também estejam buscando capitalização no mercado privado enquanto aguardam o momento mais favorável para ingressarem no mercado de ações.
“A empresa acaba se obrigando a ser mais profissional para prestar contas a acionistas e passa a entender o nível de governança que ela precisar atingir”, comenta.
Do ponto de vista do investidor, Lopes aponta fundos de private equity e venture capital como opções para a diversificação de carteiras com foco no longo prazo (mais de cinco ou dez anos).
“Quem investe nesse tipo de negócio deve desenvolver uma mentalidade de longo prazo”, diz. “Você investe em dez ou quinze empresas e só uma delas tem mais chance de vingar e pagar o investimento nas demais.”
(Clayton Castelani – Folhapress / Foto: Folhapress)