Inflação da feira de até 166% assusta consumidores e esvazia carrinhos
“É muito aumento. É de cair para trás quando a gente sai para fazer compras. Hoje está um preço, amanhã sobe.”
É dessa forma que a aposentada Pilar Ramos, 74, descreve a disparada da inflação de frutas, verduras e legumes no começo deste ano.
A preocupação de Pilar, moradora do Rio de Janeiro, encontra respaldo nos dados oficiais do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Com os efeitos do clima adverso e a pressão gerada pelos combustíveis sobre os fretes, os preços de alimentos tradicionais das feiras livres aceleraram no país.
Até março, a cenoura acumulou inflação de 166,17% em 12 meses, segundo o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), calculado pelo IBGE. O tomate, por sua vez, avançou 94,55%.
Pimentão (80,44%), melão (68,95%), melancia (66,42%) e repolho (64,79%) também registraram fortes altas no período. Mamão (54,95%), abobrinha (44,99%) e alface (38,92%) tampouco escaparam da carestia.
“Às vezes a gente deixa de comprar. Ou, quando algum produto aumenta muito, tenta levar outro mais barato”, diz Pilar em meio a bancas que vendem frutas, legumes e verduras em uma feira livre da zona sul do Rio.
Nascida na Espanha, a aposentada vive na capital fluminense desde os 19 anos. “Sou carioca”, brinca.
A exemplo de Pilar, a doméstica Leda Ferreira, 72, também anda preocupada com a inflação de alimentos.
“Os preços aumentaram absurdamente”, lamenta.
Com a pressão no bolso, Leda reduziu o número de idas a feiras no Rio. O tamanho das compras encolheu.
O economista Gustavo Prado, 34, adota estratégia parecida. Em razão da carestia, ele passou a privilegiar a busca por frutas e hortaliças que considera fundamentais para o dia a dia.
“É algo impressionante. Por uns três anos, fazia feira com R$ 150 ou algo nessa faixa. Agora, fecho a conta com uns R$ 280, e cortando muita coisa que não é essencial.”
O susto com a inflação de alimentos não fica restrito aos consumidores e atinge ainda os feirantes.
Na manhã de terça-feira (19), Giovani Almeida da Silva, 53, tinha de explicar a uma cliente de sua banca no Rio por que o alho havia ficado mais caro.
“Quando os preços dos produtos estão altos, a gente diminui as compras para revender na feira. A gente vende menos. O cliente quer comprar e muitas vezes não consegue”, comenta.
O feirante Flávio Giovanni Borges de Arruda, 39, lembra que, além dos alimentos, outros insumos também ficaram mais caros na pandemia. É o caso do combustível e de embalagens e sacolas plásticas.
“Tenho trabalhado com o mínimo possível de margem. Não tem como repassar todo o aumento para os preços. Se a gente fizer isso, a venda para”, diz.
Arruda relata que trabalha como feirante no Rio há mais de 20 anos, mas até já cogitou abandonar a atividade em razão da pressão de custos nos últimos meses.
“A lógica agora é sobreviver. Não está dando para guardar”, afirma.
“Pagava R$ 15 em uma caixa de mamão [com 15 unidades] em dezembro. No começo deste ano, já chegou a custar R$ 50”, acrescenta.
PRESSÃO DO CLIMA E DOS CUSTOS
De acordo com o IBGE, a disparada de parte dos alimentos no início de 2022 reflete o impacto do clima.
Houve chuvas fortes em áreas do Sudeste e do Nordeste, enquanto o Sul amargou seca na largada do ano.
Os fenômenos extremos danificaram plantações, reduzindo a oferta e pressionando os preços finais.
Além disso, conforme o instituto, o aumento dos combustíveis também gerou reflexos, já que eleva os custos do transporte de mercadorias diversas, incluindo a comida.
“Tivemos um choque de oferta com os problemas climáticos em parte dos principais polos de produção. Além disso, houve aumento de custos”, avalia o analista Fernando Gomes, do Itaú BBA.
“O combustível é um fator importante dentro e fora da porteira [das propriedades rurais]. Dentro, o produtor usa muito diesel com tratores. Fora, há o custo do transporte. Os centros produtivos ficam distantes das capitais”, aponta.
(Leonardo Vieceli – Folhapress/ Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)