Governo desiste de exigir receita, e vacinação começa por crianças com comorbidade
O Ministério da Saúde anunciou nesta quarta-feira que crianças de 5 a 11 anos receberão a vacina da Pfizer para a Covid-19 sem a necessidade de apresentação de prescrição médica.
A imunização começará por menores com comorbidade, deficiência permanente, indígenas e quilombolas. Em seguida, a pasta recomenda que sejam vacinadas crianças que vivem com pessoas do considerado grupo de risco.
Na sequência, haverá um escalonamento por faixa etária, começando pelos mais velhos. A vacinação não será obrigatória. A previsão é que o público infantil comece a ser vacinado a partir do dia 14 de janeiro.
“Sugerimos uma ordem de prioridade. Porém, isso vai ser decidido, principalmente os que não são regidos por lei, pela ponta, ou seja, a parte do município que vai definir como vai fazer essa vacinação”, disse Rosana Leite de Melo, secretária extraordinária de Enfrentamento da Covid-19 do Ministério da Saúde.
A ideia da pasta era recomendar a imunização desde que mediante a apresentação do pedido de um médico e consentimento dos pais.
O presidente Jair Bolsonaro (PL) tinha posto em xeque a segurança dos imunizantes para crianças. Uma consulta pública realizada para definir as regras da imunização apontou que a maioria dos ouvidos era contra a prescrição.
O Ministério da Saúde anunciou ainda que deve receber até março ao menos 20 milhões de doses pediátricas da Pfizer contra a Covid-19, suficientes para imunizar cerca de metade da população de crianças de 5 a 11 anos.
O governo espera receber 3,7 milhões de doses até o fim de janeiro. As unidades serão distribuídas de forma proporcional para os estados e o Distrito Federal, responsáveis pela aplicação do imunizante.
Segundo a pasta, o primeiro voo com as vacinas da Pfizer tem previsão de chegar ao Brasil no dia 13 de janeiro. O lote terá 1,248 milhão de doses. A entrega deve ocorrer no aeroporto de Viracopos, em Campinas (SP).
“A regra para a liberação do INCQS [controle de qualidade] é para a liberação da vacina em 24 horas. A expectativa é que no dia 14 de janeiro essas doses já estejam aptas para envio para os municípios”, disse o secretário-executivo do Ministério da Saúde, Rodrigo Cruz.
São esperadas ainda mais duas cargas, com a mesma quantidade de imunizantes, para os dias 20 e 27 deste mês.
“Todos aqueles que quiserem vacinar os seus filhos, o Ministério da Saúde vai garantir doses da vacina, e o Ministério da Saúde também cuidará para que as normas que foram sugeridas ou recomendadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária sejam seguidas na ponta”, disse o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga (foto), em entrevista.
Segundo o ministro, a depender da adesão à vacinação, mais 20 milhões de doses estão previstas para entrega no segundo trimestre deste ano.
O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) estima que, em 2021, havia 20,4 milhões de pessoas de 5 a 11 anos. Como a vacina da Pfizer é aplicada em duas doses, o volume hoje previsto para chegar ao Brasil no primeiro trimestre deve servir para imunizar metade deste público (10 milhões de crianças).
Para a vacinação do público infantil, será necessária apenas a autorização dos pais. No caso da presença dos responsáveis no ato da vacinação, haverá dispensa do termo por escrito.
“O Ministério da Saúde recomenda que os pais ou responsáveis consultem um médico antes da vacina para verificar se não há comorbidade”, afirmou Melo.
“Os pais ou responsáveis devem estar presentes manifestando a concordância com a vacinação. Em caso de ausência dos pais ou responsáveis, a vacinação deverá ser autorizada por um termo de assentimento por escrito, isso é lei”, disse ela.
O intervalo de doses será de oito semanas, não três semanas, conforme previsto em bula.
“Todos sabem que os estudos demonstraram, principalmente em adultos, que no intervalo maior de três semanas há uma maior produção dos anticorpos neutralizantes, ou seja, nós temos um benefício maior”, afirmou Melo.
De acordo com ela, efeitos adversos também foram considerados para um intervalo maior.
“As crianças têm um risco de miocardite, é um risco raro, mas nós queremos que esses riscos nessas nossas crianças sejam o menor possível, queremos minimizá-lo ao máximo. E os trabalhos demonstram que, se a gente ampliar esse espaço de tempo, se for acima de 21 dias até oito semanas, dá maior proteção para evitar esse efeito adverso”, disse a secretária.
O ministério aguardava a consulta e audiência públicas para tomar a decisão sobre a vacinação de crianças, apesar de já existir aval da Anvisa para a vacinação desde o dia 16 de dezembro.
Bolsonaro resistia à imunização. “Eu tenho uma filha de 11 anos. É uma vacina nova. Não está havendo morte de crianças que justifique algo emergencial. E tem outros interesses, entra a desconfiança nisso tudo. Lobby da vacina”, afirmou o presidente no dia 24 de dezembro.
“Essa desconfiança, interrogação enorme que existe aí Efeitos colaterais: existem, não existem, quais são? Miocardite, entre outros”, completou Bolsonaro.
A consulta pública realizada pela pasta terminou no domingo (2) e apontou que a maioria dos ouvidos foi contrária à prescrição médica. Cerca de 100 mil pessoas se manifestaram.
Entidades que debateram o tema na audiência também foram contrárias à exigência de prescrição médica. Entre elas estão Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde), Conasems (Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde), CFM (Conselho Federal de Medicina) e SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia).
O Conass chegou a afirmar que nenhum estado exigiria prescrição médica para a vacinação infantil contra a Covid-19. Até terça-feira (4), 20 estados já tinham publicado norma sobre o tema.
De acordo com o ministério, as doses pediátricas serão entregues por meio de contrato do governo para receber 100 milhões de vacinas da Pfizer em 2022, que pode ser ampliado a 150 milhões de unidades.
A resposta do Ministério da Saúde sobre a imunização de criança coincide com o prazo estabelecido pelo ministro Ricardo Lewandowski, do STF (Supremo Tribunal Federal), para o governo prestar informações sobre a vacinação infantil. Lewandowski é relator de um pedido do PT relacionado ao assunto.
Após a decisão da Anvisa, Bolsonaro abriu uma campanha para desestimular a vacinação das crianças. Ainda ameaçou expor nomes de membros da agência que participaram da análise.
A Ctai (Câmara Técnica de Assessoramento em Imunização da Covid-19) deu parecer favorável à inclusão destas crianças na campanha de vacinação da Covid.
Mesmo com registro da Anvisa e parecer da câmara técnica, Queiroga, que faz agrados a Bolsonaro para se manter no cargo e avalia se candidatar neste ano, decidiu colocar o tema em consulta pública.
Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, o presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, disse que as falas de Bolsonaro incentivaram ameaças à vida de funcionários da Anvisa.
Ele também considerou inadequadas a consulta pública e a proposta do ministro Queiroga de cobrar prescrição médica para imunizar os mais jovens. “Não guarda precedentes no enfrentamento da pandemia e está levando, inexoravelmente, a um gasto de tempo”, disse Barra Torres. (Raquel Lopes – Folhapress)