França diz que não vai aprovar Brasil na OCDE sem ações climáticas concretas
O Ministério das Relações Exteriores da França publicou uma nota dizendo que a entrada do Brasil na OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) dependerá de progressos sérios, concretos e mensuráveis na luta contra o desmatamento e mudanças climáticas.
O comunicado se estende aos outros cinco países postulantes (Argentina, Bulgária, Croácia, Peru e Romênia), mas serve como um aviso indireto ao Brasil, cuja política ambiental tem sido reiteradamente criticada pelo governo de Emmanuel Macron (foto).
A França é um dos 38 países que integram o grupo e que precisam dar consenso para confirmar o ingresso na entidade.
A nota foi divulgada na última quarta-feira, um dia após o conselho da OCDE dar luz verde para o início das negociações de filiação do Brasil.
Segundo o ministério francês, a abertura das discussões é o primeiro passo do processo de adesão, sendo que o resultado dependerá das reformas empreendidas pelos Estados para convergir com os valores, normas e padrões da entidade.
“A França estará extremamente atenta durante todo este processo para obter de todos os candidatos progressos sérios, concretos e mensuráveis na prática em diversas áreas prioritárias, particularmente na luta contra o desmatamento e a mudança climática, na proteção da biodiversidade, em medidas contra a corrupção ou na abertura das economias”, diz o texto.
Procurados para comentar, o Ministério da Economia e o Itamaraty não responderam até a publicação desta reportagem.
A nota do governo francês adiciona mais um episódio à disputa aberta entre os governos Bolsonaro e Macron, que se arrasta desde 2019.
A França é uma das principais responsáveis por barrar o acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul. Segundo o presidente francês a oposição se dá, principalmente, por causa da proteção do clima e da biodiversidade.
“A França é contra o acordo com o Mercosul tal como é negociado hoje, e vamos continuar sendo, muito claramente. Não porque não nos sintamos confortáveis com nossos amigos do Mercosul, e sim porque, por definição, esse acordo, tal qual foi concebido e desenhado, não pode ser compatível com nossa agenda climática e de biodiversidade”, afirmou durante o Congresso Mundial da Natureza, em setembro.
A postura ambientalista de Macron, contudo, também pode ser explicada por suas pretensões eleitorais. Em abril deste ano, a França terá novas eleições presidenciais e o atual mandatário tem muito a ganhar caso consiga se cacifar com o eleitorado verde -público cada vez mais forte na Europa Ocidental.
Além disso, ao se opor ao acordo com o Mercosul, Macron também agrada o setor agropecuário francês que, embora seja relativamente pequeno na economia, é politicamente ativo e vem fazendo forte oposição ao avanço do acordo.
A cobrança de garantias ambientais para ingressar no clube dos países ricos não vem apenas da França. Na terça-feira (25), a própria OCDE incluiu obrigações de redução de desmatamento e medidas de mitigação de mudanças climáticas nos documentos que formalizam o início das negociações.
Um dia depois, o presidente Jair Bolsonaro (PL) ressaltou os compromissos ambientais assumidos pelo Brasil no Acordo de Paris e na COP26, a conferência da ONU sobre o clima.
Em carta enviada a Mathias Cormann, secretário-geral da OCDE, o presidente tentou se distanciar da imagem de um líder descompromissado com a agenda climática. “Na área ambiental, especificamente, nós temos mostrado de forma consistente nossos compromissos com os objetivos do Acordo de Paris”, escreveu.
Veja a nota publicada pelo Ministério das Relações Exteriores da França na íntegra:
“O Conselho da OCDE decidiu hoje abrir as discussões de adesão com Argentina, Brasil, Bulgária, Croácia, Peru e Romênia. A abertura das discussões é o primeiro passo de um rigoroso processo de adesão, cujo resultado dependerá das reformas empreendidas pelos países candidatos para convergir para os valores, normas e padrões da OCDE.
A pedido da França e de seus parceiros, o Secretário-Geral da OCDE enviou uma carta aos países candidatos buscando o compromisso deles em respeitar os valores e as prioridades estabelecidos na Declaração da Visão do 60º Aniversário da OCDE e conclusões políticas da reunião do Conselho de Ministros da OCDE, adotadas no ano passado.
A França estará extremamente atenta durante todo este processo para obter de todos os candidatos progressos sérios, concretos e mensuráveis na prática em diversas áreas prioritárias, particularmente na luta contra o desmatamento e a mudança climática, na proteção da biodiversidade, em medidas contra a corrupção ou na abertura das economias.
No final deste processo de revisão e convergência, o Conselho da OCDE terá que decidir, por unanimidade dos países membros, sobre a adesão de cada país candidato.” (Thiago Bethônico – Folhapress)