Fed interrompe alta de juros nos EUA, mas sinaliza novos aumentos neste ano
Após dez aumentos consecutivos, o Fed (Federal Reserve, o banco central americano) anunciou nesta quarta-feira (14) uma pausa no ciclo de alta dos juros nos Estados Unidos e manteve o índice na faixa de 5% a 5,25% ao ano. A instituição sinalizou, no entanto, que as taxas podem chegar à faixa de 5,5% a 5,75% em 2023, o que implica em novos aumentos.
O anúncio já era esperado, sobretudo com o resultado da inflação anunciado na terça (13), que subiu 0,1% em maio, com queda nos preços de alimentos e combustíveis. No acumulado dos 12 meses anteriores, o índice de preços ao consumidor fechou em alta de 4%. Em maio do ano anterior, a inflação anual era mais que o dobro desse percentual, 8,6% (o pico foi atingido em junho, com 9,1%).
O Fed, no entanto, ainda considera a inflação “muito elevada” e mantém a meta de 2%, patamar que os EUA cruzaram em março de 2021.
“Para determinar a extensão do endurecimento adicional apropriado para retornar a inflação para 2% ao longo do tempo, o Comitê levará em consideração o aperto cumulativo da política monetária, o tempo que leva para que a política monetária afete a atividade econômica e a inflação e desenvolvimentos financeiros”, disse o comunicado do Fed que anuncia a decisão tomada por unanimidade pelos membros do Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc, na sigla em inglês).
Os juros nos Estados Unidos estão nos níveis mais altos em 16 anos, após o aumento mais rápido na taxa desde a década de 1980, de cinco pontos em 15 meses. O objetivo é desaquecer a economia e combater os efeitos da inflação persistente devido a fatores como a Covid-19 e a Guerra da Ucrânia. Apesar do otimismo com a queda recente no preço de alimentos e petróleo, autoridades americanas ainda têm receio quanto ao chamado “núcleo da inflação”, que desconsidera esses indicadores, mais voláteis.
“Indicadores recentes sugerem que a atividade econômica segue crescendo em ritmo modesto. Os ganhos de empregos foram robustos nos últimos meses e a taxa de desemprego permaneceu baixa. A inflação continua elevada”, diz a nota. “Condições de crédito mais apertadas para famílias e empresas devem pesar na atividade econômica, nas contratações e na inflação. A extensão desses efeitos permanece incerta. O Comitê permanece altamente atento aos riscos de inflação.”
Em entrevista a jornalistas após a divulgação, o presidente do Fed, Jerome Powell, afirmou que os membros do banco central continuam “comprometidos em trazer a inflação de volta para nossa meta de 2%”, e que “os efeitos completos do aperto [feito nos últimos meses] ainda serão sentidos”.
O Fed também subiu as medianas das projeções para a meta das taxas de juros nos próximos anos. Em 2024, a projeção foi para 4,6%, ante projeção anterior de 4,3%. No ano seguinte, de 3,1% para 3,4%.
O mercado é cético quanto a um corte nos juros nos EUA ainda neste ano. A ferramenta FedWatch do CME Group, que monitora as expectativas de analistas, aponta que há 61,5% de chance de a taxa subir para a faixa entre 5,25% e 5,5% na reunião do Fomc de julho, e 43% de permanecer assim até dezembro.
“A decisão de julho [do Fed] ainda está aberta e ainda há alguns receios, como o mercado de trabalho aquecido e o núcleo da inflação resiliente. Existem informações que ainda precisam ser analisadas antes da próxima reunião para sabermos se os juros podem continuar pausados”, diz Lucas Carvalho, analista-chefe da Toro Investimentos.
Após o anúncio da pausa nos aumentos de juros, a Bolsa brasileira reagiu com uma alta de cerca de 1,5%, e encerrando o dia com ganhos de quase 2%, impactada também pela revisão da perspectiva do país para “positiva” pela agência de rating S&P. O dólar recuou 1,15%, e fechou em R$ 4,8063.
Os índices de ações dos Estados Unidos, por sua vez, tiveram direções mistas, digerindo o aviso de novos aumentos de juros à frente. O Dow Jones teve queda de 0,68%, enquanto o Nasdaq, índice de tecnologia, subiu 0,39%. Já o S&P 500 fechou em estabilidade.
Altas taxas de juros nos Estados Unidos têm efeito em todo o mundo, inclusive no Brasil, ao diminuir a atratividade de empréstimos e investimentos em outros países. Investidores tendem a colocar mais dinheiro no Tesouro americano, uma vez que os ganhos com juros estão maiores, o que diminui o apetite para riscos.
A economista-chefe da Veedha Investimentos, Camila Abdelmalack, destaca que o nível dos núcleos de inflação, aliado a dados de emprego nos EUA, mostram que os juros americanos ainda precisam subir num futuro próximo.
“Embora a inflação tenha desacelerado, a meta de 2% só vai ser atingida em 2025, porque a atividade econômica dos Estados Unidos está surpreendendo e mostrando-se mais resiliente que o esperado. O mercado de trabalho continua robusto, as folhas de pagamento continuam surpreendendo positivamente, e esse bom desempenho apoia o consumo americano, que é o principal motor econômico do país”, diz ela.
Para Abdelmalack, a inflação americana não poderá ser reduzida sem uma desaceleração significativa de trabalho. “Por isso, o consenso é que a decisão desta quarta é uma pausa, e não um encerramento na escalada de juros nos EUA”, afirma.
No curto prazo, porém, a pausa nos juros promovida nesta quarta tem o poder de depreciar ainda mais o dólar, que vem renovando seus patamares mínimos nas últimas semanas.
Isso porque um cenário de juros altos tende a apreciar a moeda americana, já que aumenta o retorno da renda fixa dos EUA e, consequentemente, atrai recursos de investidores estrangeiros para o país. Na lógica inversa, um diferencial de juros menor tende a depreciar o dólar.
Nesta quarta, inclusive, o dólar fechou em desvalorização ante outras moedas fortes. O índice DXY, que mede o desempenho da moeda americana ante essas divisas, teve queda de 0,32%.
O Fed também aumentou a previsão de crescimento do PIB americano neste ano, de 0,4% para 1,1%. As taxas de desemprego devem ficar em 4,1%, segundo a projeção do banco, acima dos 3,7% registrados hoje.
O órgão também afirmou que “o sistema bancário dos Estados Unidos é sólido e resiliente”, em meio ao receio de um efeito cascata depois da falência do Silicon Valley Bank, em março.
(Thiago Amâncio com colaboração com Marcelo Azevedo – Folhapress /Foto: Niyi Fote/Thenews2/Folhapress)
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