Explosões atingem alvos da Rússia em meio a tensão com Ucrânia sobre usina nuclear
Enquanto Rússia e Ucrânia se acusam mutuamente de colocar a usina nuclear de Zaporíjia à beira de um desastre radioativo, áreas controladas por Moscou foram alvo de ataques na madrugada desta sexta-feira (19), reforçando sinais de que Kiev aumentou sua capacidade de empreender ações estratégicas.
Na Crimeia, território anexado pela Rússia em 2014, ao menos quatro explosões foram relatadas perto de uma base militar em Belbek, na costa sudoeste. Segundo uma autoridade local, as forças antiaéreas russas derrubaram um drone ucraniano, e o episódio não provocou danos nem deixou feridos.
No lado oposto da península, na extremidade leste, explosões foram relatadas em torno da cidade de Kertch, próximo a uma ponte que liga a Crimeia à Rússia. A Ucrânia já disse considerar a estrutura um alvo legítimo em sua tentativa de forçar a saída dos ocupantes, mas não reivindicou autoria sobre o episódio, que o Kremlin diz ter sido provocado por sua própria defesa aérea.
Explosões também foram relatadas em áreas do território russo. Ainda durante a noite, duas aldeias precisaram ser esvaziadas após um depósito de munições pegar fogo na província de Belgorod -perto da fronteira com a Ucrânia, mas a cem quilômetros do primeiro território controlado por Kiev.
Mais perto do front, a Ucrânia anunciou uma série de ataques noturnos no sul da província de Kherson, a primeira ocupada por Putin no começo da guerra. Segundo a agência Reuters, as explosões atingiram uma ponte na barragem de Kakhovska, que compõe uma das rotas usadas pela Rússia para fornecer suprimentos a milhares de tropas na margem oeste do rio Dnipro.
“As Forças Armadas ucranianas trataram os russos com uma noite mágica”, escreveu Serii Khlan, membro do conselho regional de Kherson dissolvido pelas forças de ocupação de Moscou, em uma rede social.
As explosões ocorreram dias após ataques a uma base aérea e a um depósito de munições, ambos na Crimeia. A Rússia acusou sabotadores de estarem por trás dos episódios, e, ao menos oficialmente, Kiev não os reivindicou -o assessor da Presidência Mikhailo Podoliak, porém, tuitou com certa dose de ironia que a “desmilitarização” da península teria começado.
Segundo a Reuters, uma autoridade ocidental indicou nesta sexta que pelo menos alguns dos episódios recentes foram ataques ucranianos, acrescentando que Kiev está conseguindo consistentemente causar prejuízo atrás das linhas russas, com efeitos logísticos e no moral.
A destruição da base aérea, por exemplo, teria acabado com metade dos jatos de combate da força naval russa do mar Negro. Moscou nega que qualquer aeronave tenha sido danificada, apesar de imagens de satélite mostrarem pelo menos oito aviões de guerra completamente queimados.
O jornal britânico The Guardian também diz que, após os incidentes, milhares de russos correram para deixar a Crimeia, com um recorde de 38 mil carros abandonando a península na terça-feira (16).
Desde o mês passado, a Ucrânia tem colocado foguetes fornecidos pelo Ocidente para atacar as forças russas. No entanto, as explosões na Crimeia e Belgorod estavam além do alcance das munições que os países ocidentais reconheceram ter enviado. Caso Kiev tenha realmente conseguido aumentar sua capacidade de ataque, isso pode significar um novo passo da guerra, com mais interrupções nas linhas de abastecimento que Moscou precisa para apoiar sua ocupação.
Usina nuclear vira ponto de pressão A sucessão de ataques ocorre em um momento de tensão envolvendo a usina nuclear de Zaporíjia, a maior da Europa. O complexo tem ganhado centralidade na atual fase do conflito, com Moscou acusando Kiev de disparar de forma imprudente contra o local, enquanto o presidente Volodimir Zelenski afirma que as tropas rivais causam explosões propositais para interromper o fornecimento de energia no país.
Nesta sexta, a Energoatom, estatal de energia nuclear da Ucrânia, acusou a Rússia de planejar desligar os blocos em funcionamento da usina e desconectá-los da rede elétrica ucraniana. Um eventual desligamento aumentaria o risco de desastre radioativo, pois envolveria a supressão de reações nucleares em cadeia que poderiam levar ao derretimento de reatores em decorrência do aumento da temperatura.
Dando sequência ao jogo de culpa mútua, Putin acusa a Ucrânia de bombardear o complexo e arriscar uma catástrofe nuclear. Em conversa por telefone com o presidente da França, Emmanuel Macron, o líder russo afirmou que militares ucranianos têm feito ataques sistemáticos ao complexo, gerando o risco de uma catástrofe capaz de contaminar vários países com radiação.
Moscou, porém, rejeita chamadas internacionais para desmilitarizar a usina. De acordo com o Kremlin, os dois presidentes enfatizaram a importância de enviar uma delegação da Agência Internacional de Energia Atômica a Zaporíjia o mais rápido possível, com Putin confirmando sua disposição de fornecer aos inspetores a assistência necessária.
(Folhapress /Foto: Pedro Ladeira/Folhapress)