Escassez de insumos e demanda frágil travam produção industrial
A escassez de insumos e a demanda interna ainda fragilizada pelo desemprego explicam, em parte, a perda de fôlego da produção industrial no país, apontam analistas.
Em junho, a produção das fábricas ficou estagnada, com variação nula (0%) frente a maio, informou o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) nesta terça-feira.
O resultado veio após avanço de 1,4% no mês anterior. Em maio, o setor havia interrompido trajetória de três quedas consecutivas.
“A indústria com fragilidade mostra que a atividade econômica também está fraca”, define o economista-chefe da Necton Investimentos, André Perfeito. “A produção de veículos, por exemplo, teve problemas com chips, já que houve uma desarticulação das cadeias produtivas”, acrescenta.
Conforme o IBGE, 14 das 26 atividades industriais pesquisadas tiveram baixa na produção em junho. O principal impacto negativo veio justamente da fabricação de veículos automotores, reboques e carrocerias, que recuou 3,8%. O ramo voltou a cair após resultados positivos em abril (1,6%) e maio (0,3%).
“Essa atividade foi muito atingida pelos efeitos da pandemia, na medida em que várias montadoras estão fazendo paralisações de seus parques produtivos”, indicou André Macedo (foto), gerente da pesquisa do IBGE.
Com a crise sanitária, houve desajuste na produção de componentes diversos para automóveis. A escassez de insumos também foi sentida fora do Brasil. Conforme projeção recente da Anfavea, a associação das montadoras no país, as empresas do setor devem seguir com paradas na produção até 2022 em razão da falta de chips.
O economista Rafael Cagnin, do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial), ressalta que as paralisações trazem riscos para fornecedores de peças de veículos. É que essas empresas, de porte menor, tendem a apresentar fôlego financeiro reduzido para lidar com períodos de incertezas.
“Veículo é um bem de consumo com ticket mais alto. Como ainda há incertezas, é um tipo de consumo que pode ser adiado”, diz Cagnin.
“O setor automotivo é importante por gerar uma integração, já que precisa de um conjunto de produtos. Quando não avança, também espalha sinais negativos para o restante da cadeia. Empresas de autopeças não têm o mesmo tamanho de uma montadora, nem o mesmo acesso a financiamentos. A pandemia colocou em risco empresas menores, e isso não acontece só no setor automotivo”, emenda.
Depois de veículos, o ramo de celulose, papel e produtos de papel teve o segundo principal impacto negativo na produção industrial de junho. A atividade recuou 5,3%, registrando o terceiro mês seguido de queda.
Na visão de Cagnin, a baixa reflete uma espécie de acomodação após o segmento ter sido bastante demandado na pandemia. Com a crise sanitária, houve grande procura por embalagens para produtos vendidos no sistema de delivery, por exemplo.
“O movimento [de baixa] é recente, sinaliza uma acomodação. É preciso acompanhar como o setor vai ficar nos meses seguintes”, aponta Cagnin.
O economista Jonathas Goulart, gerente de Estudos Econômicos da Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro), tem opinião semelhante. “O setor de celulose e papel produz muita embalagem. Estamos vendo um cenário de acomodação após crescimento forte”, aponta Goulart.
De acordo com o IBGE, a principal contribuição positiva na produção industrial de junho veio de coque, produtos derivados do petróleo e biocombustíveis. A atividade subiu 4,1%.
Segundo o instituto, 12 dos 26 ramos industriais operam em nível superior ao do pré-pandemia, registrado em fevereiro de 2020. Em junho, a produção de máquinas e equipamentos estava 23,1% acima do pré-crise. É a maior diferença positiva.
Por outro lado, 14 atividades ainda estão abaixo do patamar de fevereiro do ano passado. A confecção de artigos do vestuário e acessórios é aquela que está mais para trás na lista. Em junho, o nível de produção estava 15,9% abaixo do pré-pandemia.
“Estamos em um ambiente em que a retomada da produção acontece de maneira diferente entre as atividades”, afirma Goulart.
“No segundo semestre, com a maior circulação de pessoas e a melhora do setor de serviços, teremos um aumento natural na demanda da indústria. Por outro lado, o aumento nos juros [taxa Selic] pode evitar um crescimento mais forte para que o país consiga enfrentar a aceleração da inflação”, completa.
Nesta terça-feira, o IBGE também informou que a produção industrial subiu 12% em relação a junho de 2020. À época, o setor sofria os impactos da fase inicial da pandemia.
Os números apresentados ficaram em nível inferior aos esperados pelo mercado. Analistas consultados pela agência Bloomberg projetavam avanço de 0,2% na comparação com maio, além de crescimento de 12,5% frente a junho de 2020.
Com os dados desta terça, a produção industrial fechou o primeiro semestre de 2021 com alta acumulada de 12,9%. Em 12 meses, houve avanço de 6,6%.
Segundo o IBGE, o indicador permaneceu no mesmo patamar do pré-pandemia, de fevereiro de 2020. Esse nível foi alcançado em maio, quando o indicador subiu 1,4%, após três meses em queda. O indicador, contudo, ainda está 16,7% abaixo do ponto mais alto da série histórica, verificado em maio de 2011.
André Macedo, gerente da pesquisa do IBGE, sublinhou que a indústria continua enfrentando uma série de dificuldades. Entre elas, está o desarranjo das cadeias produtivas, que trouxe obstáculos para a obtenção de insumos na pandemia. Além disso, o setor é abalado pelo mercado de trabalho fragilizado no país.
“Há, no setor industrial, uma série de adversidades por conta da necessidade das medidas de restrição, como a redução do ritmo produtivo, a dificuldade de obtenção de matérias-primas e o aumento dos custos de produção. Pelo lado da demanda, ou seja, observando a economia como um todo, há também uma taxa de desocupação alta, o que traz uma consequência para a massa de salários. São fatores que não são recentes, mas ajudam a explicar esse comportamento da produção industrial”, apontou Macedo.
Além dos 14,8 milhões de desempregados, o país reunia, no trimestre até maio, outras 7,36 milhões de pessoas que trabalhavam menos horas do que gostariam. Esses profissionais são chamados pelo IBGE de subocupados. O número de 7,36 milhões significa recorde na série histórica do instituto, iniciada em 2012.
“Como trabalham menos, essas pessoas não conseguem renda necessária para manter seu padrão de consumo. O desemprego, aliado à insuficiência de horas de trabalho, gera obstáculos para a demanda doméstica. Isso se reflete em algumas atividades da indústria”, avalia Cagnin.
Enquanto o mercado de trabalho amarga dificuldades, a recuperação das fábricas depende em um primeiro momento do avanço da vacinação contra a Covid-19, ressalta o economista do Iedi. A imunização é vista por analistas como peça necessária para garantir maior segurança às operações das empresas.
“É preciso controlar a pandemia. O avanço da vacinação é um fator crucial. Seria bom que parceiros comerciais do Brasil, como a Argentina, também conseguissem fazer isso”, relata. (Leonardo Vieceli – Folhapress)