Entidades não foram avisadas que Fiesp suspenderia manifesto, e clima é de surpresa e decepção
Surpresa, decepção e até irritação. Essas são sensações citadas por representantes de entidades empresariais para definir como receberam a informação do adiamento de um manifesto convocado por Paulo Skaf, presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).
Cerca de 300 entidades receberam, na semana passada, um convite oficial da Fiesp, enviado por email, para aderir a um manifesto que seria publicado nos principais jornais do país defendendo a necessidade de harmonia entre os três Poderes. O convide de adesão, assinado por Skaf, avisava que o custo de mídia ficaria sob responsabilidade da Fiesp e que bastava confirmar a participação até as 17h da sexta-feira passada.
O manifesto seria publicado nesta semana, provavelmente terça-feira.
As cerca de 200 entidades que confirmaram participação ficaram sabendo nesta segunda (30) pela mídia, em declarações de pessoas ligadas ao governo, que a Fiesp suspendera a publicação. O presidente de uma das entidades qualificou a atitude de Skaf como falta de deferência institucional, mas outros usaram palavra mais duras. Chamaram a decisão de manobra política unilateral e até covarde.
No caso da indústria automotiva, há executivos falando em traição. Pessoas ligadas a entidades do setor contam que trabalharam por semanas no texto do manifesto e ficaram frustradas com o adiamento da carta. Os executivos avaliam que houve censura por parte da Fiesp, e veem uma conotação política no adiamento.
A decisão de Paulo Skaf visa esperar os desdobramentos das manifestações de 7 de setembro, diz um representante do setor.
Na avaliação de outro executivo, Skaf, que está no fim de seu mandato à frente da Fiesp, não quer se desgastar com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que teria reagido muito mal à ideia da carta de pacificação.
A Fiesp aglutinou o empresariado brasileiro por meio do conselho Diálogo pelo Brasil -que provavelmente é o grupo de WhatsApp com maior concentração de representantes do PIB no país.
Grosso modo, equivale ao Conselhão construído pela mesma entidade durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Seu poder se estendeu para além da indústria, atingindo o terceiro setor e ocupa o espaço que já foi da CNI (Confederação Nacional da Indústria).
A Anfavea (associação das montadoras) e a Fenabrave (que reúne os distribuidores de veículos) representam cerca de 80 empresas e algo como 20% do PIB (Produto Interno Bruto) industrial.
As entidades chegaram a propor pontos mais enfáticos na carta, com maior pressão sobre o Executivo, mas foram convencidas a optarem por um discurso ameno, sem citar nomes.
A Anfavea em particular vinha adotando uma postura mais crítica em relação à condução da política econômica no primeiro semestre, mas havia retomado o tom conciliatório ao apresentar os dados de mercado referentes à julho. A próxima reunião da associação das montadoras ocorrerá na próxima semana, após as manifestações do dia 7 de setembro.
Há um problema adicional no caso de uma entidade que reúne empresas globais como montadoras. Nada ocorre em uma filial sem que a sede saiba, e abortar uma tentativa de conciliação por pressão do governo manda um péssimo sinal para as matrizes, que a cada dia aumentam a desconfiança com o governo Bolsonaro.
Há o trauma do intervencionismo que marca a política econômica e industrial do país e que já trouxe resultados ruins recentes, no governo Dilma Rousseff (PT).
Outras entidades com representação igualmente expressiva, como a Associação Comercial de São Paulo, o IDV (Instituto do Desenvolvimento para o Varejo) e a Abinee, de eletrônicos, também tiveram a sensação de ficarem vácuo.
“Lamentamos que um movimento agregador, com o objetivo de assegurar a harmonia entre Poderes, conforme consta na Constituição, nem tenha sido publicado e já cause esse problema”, diz Marcelo Silva, presidente do IDV, que reúne 76 empresas, entre elas grandes redes de varejo e supermercados. Segundo ele, a associação só se manifesta sobre políticas públicas, não partidárias, e por isso havia entendido que o texto estava de acordo com suas diretrizes institucionais.
Alguns representantes, que preferiram não ter os nomes divulgados, afirmaram que o ruído envolvendo o manifesto demonstra que a iniciativa da Fiesp pode ter sido motivada por interesses políticos de Paulo Skaf, que estaria querendo se desvencilhar do governo Bolsonaro para concorrer a uma vaga ao Senado em 2022.
Mesmo que a carta não tenha críticas diretas ao Executivo e trate da necessidade de cooperação entre os três Poderes, eventuais ranhuras com o empresariado não são bem-vindas ao governo de Bolsonaro, recordista nos pedidos de impeachment. A Fiesp foi uma das principais mobilizadoras do setor privado pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff em 2016.
Em nota, a Fiesp afirmou que, além das 200 entidades que apoiaram o documento, dezenas de outras também manifestaram interesse em participar do texto.”
“Em função desse cenário, informamos que estendemos o prazo para novas adesões, que poderão ser feitas ao longo da semana”, afirmou. (Eduardo Sodré e Paula Soprano -Folhapress)