Economistas em Davos preveem alto risco inflacionário e reversão da globalização no mundo
A Guerra da Ucrânia e as decorrentes pressões inflacionárias, combinadas ao temor de menor crescimento na China e à crise energética, vão provocar novos solavancos na economia global e adiar uma recuperação pós-pandemia, com riscos de escalada de preços especialmente nos países latino-americanos e nos Estados Unidos, afirmam economistas.
O alerta está em um relatório de tom marcadamente sombrio assinado por um grupo de 47 nomes destacados em grandes bancos e multinacionais afiliados ao Fórum Econômico Mundial e distribuído nesta segunda-feira (23) no encontro anual da entidade em Davos (Suíça).
A pesquisa anterior, de novembro de 2021, apontava para riscos inflacionários de curto prazo. O cenário mudou, impulsionado sobretudo pela Guerra da Ucrânia e pela expectativa de crescimento fraco ou muito fraco na China, algo previsto por 37% dos respondentes.
Para 86% do colegiado, há alto risco de inflação na América Latina neste ano, sendo que os que projetam risco “muito alto” são 47%, o maior índice de todas as regiões. No caso americano, 96% veem alto ou muito alto risco, sendo 38% os que apontam para “muito alto”.
Quanto à Europa, 93% veem risco alto ou muito alto (17% sendo “muito alto”). A inflação também assombra a África Subsaariana (77% veem alto risco) e o Oriente Médio e norte da África (75%).
“Estamos à beira de um círculo vicioso que pode afetar as sociedades durante anos”, escreve Saadia Zahidi, diretora-gerente do Fórum, no relatório. “Os líderes enfrentam escolhas difíceis e barganhas domésticas no que tange a inflação, dívida e investimento.”
Ao mesmo tempo em que a inflação sobe e políticas monetárias mais austeras são adotadas (ou seja, juros maiores), os economistas veem necessidade de algum afrouxamento fiscal. Eles também recomendam especial atenção com o setor de energia e com as medidas para mitigar a crise climática. No caso dos países mais pobres, há risco de insegurança alimentar.
Quase 9 em 10 dos entrevistados afirmam que será necessário subsidiar alimentos -cujos preços estão mais pressionados– em economias de baixa renda. No caso dos países mais ricos, seria necessário subsídio de energia, segundo a enquete.
Em todas essas regiões a expectativa inflacionária é pelo menos moderada para o grupo de economistas, entre os quais estão os brasileiros Mansueto Almeida (BTG), Fernando Honorato (Bradesco) e Mario Mesquita (Itaú Unibanco).
Os especialistas ainda se mostram pouco otimistas em relação ao andamento da globalização nos próximos três anos e preveem maior politização das cadeias de produção, com tendência à nacionalização. Em outras palavras, o protecionismo aumentará, com efeito negativo na integração econômica.
A maior parte deles espera maior fragmentação nas cadeias de bens (79%), tecnologia (65%) e no mercado de trabalho (54%). Apenas no setor de serviços a expectativa de desintegração, embora predominante, não é majoritária (46%, sendo que 39% esperam estabilidade).
“As incertezas, risco e tensionamento da economia global são extremamente altos no momento. Os desdobramentos da Guerra da Ucrânia estão pressionando economias já enfraquecidas pela pandemia até o limite de sua capacidade, revelando dependências estruturais e trazendo consequências imprevistas”, diz o relatório resultante da pesquisa.
“O potencial de uma crise secundária devastadora é alto.”
No mercado de trabalho o quadro pintado pela pesquisa se mostra especialmente preocupante para os entusiastas da globalização: nenhum dos integrantes do grupo espera maior integração até 2025.
Os especialistas também se manifestaram a respeito do impacto das sanções contra a Rússia na duração da Guerra da Ucrânia. Para 53%, esse efeito é pequeno ou nulo, ante 38% que acham que é grande e 10%, muito grande.
(Luciana Coelho – Folhapress/ Foto: Alan Santos/PR)