Defesa de Bolsonaro deve repetir argumentos ao STF para recorrer de inelegibilidade
Com a condenação de Jair Bolsonaro (PL) no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), sua defesa deve recorrer ao STF (Supremo Tribunal Federal) repetindo teses apresentadas ao longo do processo na corte eleitoral.
Um de seus principais questionamentos é o de que a inclusão, entre as provas, de uma minuta de decreto de estado de defesa implicou em uma ampliação indevida da ação apresentada pelo PDT em agosto do ano passado. O documento foi apreendido em janeiro pela Polícia Federal na casa do ex-ministro Anderson Torres.
Em março, a defesa de Bolsonaro já havia interposto na corte eleitoral um recurso extraordinário sobre o assunto, a ser remetido ao STF, o que depende da admissão da presidência do TSE, que é exercida por Alexandre de Moraes.
Nesse tipo de recurso, é preciso demonstrar que a decisão do tribunal foi contrária à Constituição e ainda que são discutidas questões de “repercussão geral”.
Além da inclusão da minuta, outras teses da defesa devem continuar sendo utilizadas, entre elas a de que a reunião com embaixadores, foco do julgamento, não teve finalidade eleitoral. Também a refutação de que haveria ilícito eleitoral no evento ou de que haveria gravidade na conduta deve ser novamente mobilizada.
Na última sexta-feira (30), antes da decisão da corte, por 5 votos a 2, por sua inelegibilidade até 2030, Bolsonaro afirmou que iria recorrer ao STF caso fosse condenado.
“Vou conversar com meus advogados, e o recurso segue para o STF”, disse em entrevista. “Não ataquei o sistema eleitoral, eu mostrei possíveis falhas.”
O Supremo foi alvo preferencial do ex-presidente, que usou termos como “politicalha” e “acabou, porra”, em ataques que se intensificaram a partir de 2020, com a pandemia da Covid-19.
Ainda que a defesa de Bolsonaro apresente questionamentos e recursos, eles não têm efeito suspensivo sobre a pena de inelegibilidade até o trânsito em julgado.
O doutor em direito e membro da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político) Luiz Fernando Pereira avalia que a decisão do TSE deve ser vista como definitiva. Isso porque, na corte eleitoral, os recursos possíveis, em regra, não mudam o resultado do que foi julgado, servindo apenas para esclarecer eventuais contradições ou omissões da decisão.
Um eventual recurso ao STF, por sua vez, dificilmente seria aceito: “Eu conto nos dedos os casos em que o Supremo reverteu uma decisão do TSE em recurso extraordinário”, afirma.
“Primeiro, porque não tem matéria constitucional na maioria dos casos julgados”, diz Pereira, que não vê questão constitucional no caso do julgamento. “Em segundo lugar, porque os ministros do Supremo compõem o TSE, e dois já votaram [pela inelegibilidade].”
No julgamento do TSE, o ministro Raul Araújo foi o único a acolher a questão preliminar apresentada pela defesa de que a inclusão da minuta seria uma ampliação do objeto.
De modo geral, os demais ministros discordaram do entendimento de que a aceitação da prova do processo contrariaria o precedente do julgamento da chapa Dilma/Temer de 2017, como alega a defesa.
Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, ex-procurador regional eleitoral em São Paulo, vê poucas chances de êxito em eventuais recursos da defesa de Bolsonaro.
“É mesmo para evitar o trânsito em julgado e esperar que o tempo, quem sabe, jogue a favor”, afirma. “Eu não vislumbro qualquer ampliação de objeto. A minuta foi usada para verificar a possível extensão ou consequência de fatos já narrados na petição inicial.”
Para o advogado especialista em direito eleitoral Alberto Rollo, a inclusão da minuta é um argumento forte de recurso da defesa. Anular a condenação, porém, a seu ver, dependeria da extensão do uso na decisão do colegiado, o que ainda deve ser publicado. Pelo teor dos votos lidos no julgamento, ele afirma que a tese dos advogados perde força.
“Se a minuta não foi relevante, então o STF vai dizer: ‘muito embora talvez não devesse ter usado a minuta, ela não teve importância fundamental da decisão’. Então, enfraquece a defesa”, diz.
Já para Anna Paula Mendes, professora de direito eleitoral do IDP e coordenadora acadêmica da Abradep, o fato de a minuta ter tido um papel lateral nos votos não é, por si só, fator que altera as chances da defesa.
“Caso o STF entenda que o fato de a minuta constar [na ação] e ter sido apreciada é uma ampliação da causa de pedir, é irrelevante que ela tenha sido muito ou pouco usada. Porque a nulidade existe por si só”, diz. “Havendo a nulidade, o julgamento precisa ser refeito.”
Ao votar, a ministra Cármen Lúcia, que formou maioria pela inelegibilidade de Bolsonaro, destacou que seu voto foi baseado apenas na reunião e que não foi convencida pela tese da defesa de que teria havido alargamento do que estava em julgamento.
“A alegação que é feita sem que houvesse provas, nem contra o processo eleitoral, nem contra a Justiça eleitoral e nem contra os ministros desta Casa, não tinha razão de ser a não ser efetivamente desqualificar a própria Justiça Eleitoral, o próprio Poder Judiciário e, com isso, atacasse a democracia”, afirmou.
Também Moraes argumentou que o foco era o encontro com os embaixadores. “Não há necessidade de analisar fatos anteriores ou posteriores. Há necessidade de se analisar a reunião”, disse.
“A reunião no Palácio da Alvorada constituiu claramente abuso de poder político por desvio de finalidade. Constituiu uso indevido dos meios de comunicação. Não há necessidade nem mais e nem menos. E aqueles que tiverem dúvida, basta ver o vídeo.”
Ao votar contra a inelegibilidade de Bolsonaro, o ministro Kassio Nunes Marques destacou que fazia a análise “tão somente na reunião realizada pelo investigado Jair Messias Bolsonaro”.
Apesar de ter rejeitado os pedidos preliminares da defesa, entre eles o de rejeição da minuta, ele fez afirmação favorável à tese da defesa de que, com sua inclusão, buscava-se “realizar a ressignificação de todos os eventos existentes” no processo.
Volgane Carvalho, membro da coordenação acadêmica da Abradep e servidor da Justiça Eleitoral no Maranhão, vê o questionamento da minuta como um discurso mais eficiente na mobilização de simpatizantes do ex-presidente do que efetivamente para reverter a decisão da corte eleitoral no STF.
“Os temas que escaparam ao evento com os embaixadores foram claramente colocados como fatos de comprovação de que havia uma postura contínua de desinformação a respeito do processo eleitoral”, avalia. “Mas isso, não é a alma da decisão que aponta no evento todas as características de uma conduta eleitoralmente abusiva, o que é necessário e suficiente para a procedência da ação.”
(Géssica Brandino e Renata Galf – Folhapress /Foto: Pedro Ladeira – Folhapress)
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