Covid mata 96 moradores de rua em São Paulo
Um estudo feito pelo LabCidade (Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade) da FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo) da USP e pela Clínica de Direitos Humanos Luiz Gama identificou o dobro de mortes causadas pelo coronavírus entre moradores de rua da cidade de São Paulo do que o registrado pela prefeitura.
O levantamento foi feito com base em dados do projeto Recovida, que vem atuando na pesquisa sobre a mortalidade durante a pandemia.
O estudo observou 96 óbitos da população em situação de rua, de março de 2020 a maio de 2021, quase o dobro do constatado pelo Consultório na Rua.
Os dados da prefeitura, segundo o estudo, confirmam, até novembro, 49 mortes de pessoas em situação de rua.
No caso das mortes encontradas no levantamento, 35 eram de pessoas que efetivamente moravam na rua, em situação de calçada, e 61 eram pessoas acolhidas em serviços municipais.
Os pesquisadores mapearam as mortes verificando informações inseridas por profissionais de saúde, achando indicações como “morador de rua”; “situação de rua” e “morador de área livre”. Além disso, foi feito o cruzamento com endereços de centros de acolhimento da Prefeitura de São Paulo.
O estudo também identificou o perfil dos mortos. A maioria é de homens (77%), percentual que cresce entre os que vivem efetivamente na rua (94,29%). “Todos os óbitos identificados são de adultos e idosos, 78,13% deles acima dos 50 anos de idade”, diz texto publicado pelos pesquisadores.
Entre os mortos, 75% apresentavam comorbidades. “Dentre esses, 27,08% possuíam alguma doença cardiovascular, 17,71% tinham problemas respiratórios e 12,5% eram fumantes. Ao analisarmos somente o grupo ‘situação de calçada’, 17,14% possuía tuberculose e 25,71% tinha alguma dependência de álcool e/ou drogas”.
Segundo o estudo, 50% dos mortos são pretos ou pardos contra 44,79% brancos e 5,21% que tiveram a cor ignorada no preenchimento dos dados. Entre as pessoas na situação de calçada, a presença de negros é de 54,29%
A maioria das mortes (94.85%) aconteceu em hospitais. “Dos óbitos em hospital, 27,08% ocorreram na Santa Casa, nesse mesmo hospital estão registrados mais da metade dos óbitos identificados como “situação de calçada” (57,14%). A concentração de óbitos nessa unidade se relaciona com a grande presença de população em situação de rua no entorno”, afirma texto sobre o estudo.
Atualmente, a prefeitura encontra até mesmo dificuldade de quantificar a população de rua na cidade.
A empresa contratada pela Prefeitura de São Paulo para atualizar o censo da população de rua elaborou um relatório preliminar em que cita uma série de dificuldades para abordar os sem-teto, o que pode comprometer a dimensão real de quantas pessoas vivem nas ruas da capital atualmente.
De acordo com o documento enviado à Secretaria de Assistência Social no dia 9 de novembro, as equipes de abordagem relataram situações de risco em áreas onde há concentração de usuários de drogas e até dificuldade em acessar barracas em trilhas no matagal.
Segundo estimativas informais de grupos que auxiliam moradores de rua na capital paulista, atualmente, 35 mil pessoas, número 40% maior do que o apontado pelo último censo, divulgado em 2019, quando havia 25 mil.
Questionada sobre o assunto, a gestão Ricardo Nunes (MDB) citou uma série de medidas de combate ao coronavírus entre a população de rua.
“A Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal da Saúde, informa que iniciou a vacinação dos moradores de rua da capital com mais de 60 anos em 12 de fevereiro de 2021. Além disso, antecipou a entrega do Hospital Santa Dulce dos Pobres, na Bela Vista, que é referência em atendimento para pessoas em situação de rua. Até esta quarta-feira (12), foram aplicadas 50.106 doses na população em situação de rua, sendo, 20.703 como primeira dose; 16.995 em segunda dose; 7.054 doses única; e 5.354 doses adicionais. Em relação aos óbitos, até o momento, foram notificados 49”, diz nota da gestão.
Segundo a gestão, as equipes do Consultório de Rua atuam na atenção básica a essa população, com equipes multidisciplinares.
“Os profissionais realizam abordagens e acompanhamentos em consultas e desenvolvem vínculos com as pessoas que vivem em situação de rua na capital paulista. Assim é possível fazer a orientação e manter uma escuta qualificada, além de atuarem na oferta de curativos, medicações e vacinações, entre outros procedimentos”, diz.
A administração afirma que a empresa contratada para fazer o censo da população de rua vai finalizar seu trabalho em janeiro. Com isso, o trabalho pode ser concluído totalmente em fevereiro.
“Os dados do Censo 2021 irão revelar a nova realidade da população em situação de rua na cidade de São Paulo, após os impactos de dois anos de pandemia de Covid-19 somados ao agravamento da crise econômica”, diz a gestão, em nota.
A prefeitura afirma que também, desde março do ano passado, distribuiu 6 milhões de cestas básicas e 1,3 milhão de kits de higiene e limpeza para as famílias em situação de extrema vulnerabilidade na cidade e 8,6 milhões de refeições prontas à população vulnerável. (Artur Rodrigues – Folhapress)