Congresso derruba veto de Bolsonaro a federações partidárias e dá sobrevida a siglas pequenas
O Congresso Nacional derrubou nesta segunda-feira o veto do presidente Jair Bolsonaro à proposta que permitia que partidos políticos de organizem em uma federação, pelo tempo mínimo de quatro anos. A derrubada dá sobrevida às siglas pequenas, que corriam o risco de serem extintas.
Para ser derrubado em definitivo, o veto precisava ter votos contrários da maioria absoluta dos senadores e deputados federais.
Normalmente, as sessões do Congresso Nacional são realizadas com deputados e senadores juntos. Por causa da pandemia, cada Casa vem realizando a sua própria sessão para analisar os vetos, embora ambas aconteçam no mesmo dia.
A maior parte dos vetos presidenciais foram apreciados em bloco pelos deputados e senadores. No entanto, não houve acordo inicialmente em relação à proposta das federações, que precisou ser votada em separado.
A votação foi apertada no Senado, com 45 votos a favor da derrubada do veto, contra 25 pela manutenção –eram necessários 41 votos.
Após o resultado no Senado, no entanto, a Câmara dos Deputados decidiu votar os vetos remanescentes em bloco, incluindo entre eles o referente às federações. Os vetos foram derrubados por 353 votos a 110. Eram necessários 257 votos.
A regra que permite a criação de federações de partidos provocou reação do presidente Jair Bolsonaro, que prontamente disse a interlocutores que iria vetá-la.
A proposta tem como um dos objetivos dar sobrevida a partidos nanicos que podem ser afetados pela cláusula de barreira (ou cláusula de desempenho), que entrou em vigor em 2018. Ela interessa partidos menores, como o PCdoB, a Rede Sustentabilidade, entre outros.
A cláusula de barreira retira dos partidos com baixíssima votação mecanismos essenciais à sua sobrevivência, como os recursos do fundo partidário, acesso a propaganda gratuita na TV e no rádio, além de acesso a estruturas nos Legislativos. A possibilidade de uma fusão temporária poderia amenizar o impacto das cláusulas.
A proposta da federação prevê que dois ou mais partidos possam se unir para cumprir a cláusula sem precisar se fundir, o que se mostra como um projeto mais complicado e demorado. As siglas precisariam ficar unidas durante toda a legislatura, ou seja, no mínimo quatro anos.
Se um ou mais partidos se desligarem, a federação continuaria funcionando até a eleição seguinte, desde que tenha dois ou mais partidos.
A medida, argumentaram governistas, vai na contramão das regras da cláusula de desempenho e do fim das coligações, que pretendem enxugar o quadro partidário brasileiro. O Palácio do Planalto justificou o veto afirmando que buscava “salvaguardar o eleitor comum” e a “própria legitimidade da representação”.
Segundo o texto, os partidos poderão ter programa, estatuto e direção comuns, e não têm o funcionamento encerrado após o fim de uma eleição. Somente podem participar de uma federação partidos com registro definitivo.
Alguns manifestaram favoráveis à regra da formação de federações de partidos, argumentando que algumas legendas históricas poderiam desaparecer.
“Mesmo a contragosto da lógica, eu advoguei a favor da cláusula de barreira. Advoguei a favor da cláusula de barreira mesmo sabendo que ela prejudicaria o meu partido. Então, eu sou um dos primeiros a compreender a necessidade, para a governabilidade, de nós termos um sistema partidário brasileiro estável”, afirmou o líder da oposição, Randolfe Rodrigues (foto) (Rede-AP).
“Ao contrário do que é alegado por muitos, a federação partidária não subverte esse princípio. Ela possibilita dentro das regras democráticas, a sobrevida de legendas políticas históricas. Nós não estamos falando de legendas políticas de aluguel, mas de legendas políticas que têm identidade programática”, completou.
A senadora Simone Tebet (MDB-MS) rebateu a visão de que as federações seriam uma espécie de coligação, mecanismo cujo retorno foi barrado no Senado.
“A cláusula de barreira sozinha avança, mas ela não avança com a rapidez que nós queremos. Daí a importância das federações partidárias, de nós estarmos unindo partidos que pensam o projeto de país de forma igualitária, que têm o mesmo viés ideológico, e poderem estar se unindo não só no período da eleição mas para, nos próximos quatro anos, serem liderados por um único líder, serem conduzidos na mesma corrente ideológica, e, consequentemente, provavelmente não haverá retorno, no futuro se fundindo”, afirma.
Na mesma linha, Marcelo Castro (PP-PI), afirmou que as federações serão “embriões” de um futuro partido político.
Carlos Fávaro (PSD-MT, por sua vez, defendeu a manutenção do veto e argumentou que a redução no número de partidos seria benéfica e que partidos mais estabelecidos poderiam acomodar atores com visões ideológicas parecidas.
“Nós teremos, no Brasil, 10, 12, 15 partidos políticos, alguns mais à esquerda, alguns mais à direita e alguns de centro, que podem acomodar, ideologicamente, todos os representantes do povo, mas que nós tenhamos a capacidade de, agora, manter este veto da Presidência da República, para alinharmos, cada vez mais, o fortalecimento partidário deste País”, afirmou.
Ao orientar o voto de sua bancada, contra a federação, o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) comparou o PC do B e comunistas aos nazistas. Além disso, lembrou que foi a cláusula de barreira que na Alemanha barrou partidos extremistas.
“Então, naquela época, os 5% de cláusula de desempenho, no cálculo dos alemães, serviriam para inviabilizar a participação de partidos que defendessem o nefasto nazismo. E, aqui no Brasil, nós temos o seu irmão siamês, que é o comunismo”, afirmou, provocando a reação de membros da oposição.
Nos bastidores do Congresso, comentou-se que o esforço do governo para derrubar a federação estaria relacionado a uma ofensiva contra partidos de esquerda, em particular o PC do B. O partido foi o que mais se engajou na defesa das federações, sendo o maior vencedor.
Alguns partidos maiores também tinham interesse em sepultar a medida, para se fortalecerem com quadros egressos das siglas que poderiam ser extintas.
Em 2018, 14 partidos não conseguiram atingir a cláusula. Alguns só mantiveram seus recursos porque incorporaram outras legendas, como foi o caso do PC do B, que se fundiu ao antigo PPL.
Naquele ano, os partidos teriam que obter ao menos 1,5% dos votos válidos para a Câmara dos Deputados, entre outras regras, para cumprir a cláusula e não perder recursos.
Em 2022 esse índice sobe para 2%. Na eleição de 2026, aumenta para 2,5% dos votos válidos, até chegar a 3% em 2030, distribuídos em pelo menos um terço dos estados.
O veto às federações de partidos acontece em um momento de grande discussão em torno da reforma eleitoral. A proposta havia entrado em um grande acordo para votar a PEC da reforma eleitoral, que derrubou o distritão e havia aberto a possibilidade de retorno das coligações partidárias.
A volta das coligações, após aprovada na Câmara dos Deputados, acabou barrada pelos senadores.
A Câmara também aprovou um novo código eleitoral com quase 900 artigos. A Casa pressiona os senadores para que analisem o conjunto a tempo das eleições de 2022. No entanto, o próprio presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), já vem dizendo que são pequenas as chances de o conjunto de regras ser aprovado antes de 2 de outubro.
Os senadores, de uma maneira geral, vem apresentando resistência a mudanças eleitorais tão perto do pleito de 2022. Argumentam que ainda não foi possível analisar o impacto de mudanças ainda recentes no sistema, como a própria cláusula de barreira e o fim das coligações. (Renato Machado, Washington Luiz e Danielle Brant – Folhapress)