Como a Justiça do Trabalho de São Paulo não reconhece enquadramento de bancário aos empregados de instituições de pagamento

Ao longo dos últimos anos, o Banco Central do Brasil (BCB) tem buscado incentivar a inovação e concorrência nos setores financeiros e de pagamentos. Parte dessa estratégia se refletiu na criação de novas modalidades de instituições financeiras conhecidas como “fintechs de crédito”. Mais especificamente, as novas modalidades criadas correspondem às Sociedades de Crédito Direto (SCD) e às Sociedades de Empréstimo entre Pessoas (SEP).

Tal como publicamente reconhecido pelos BCB, esses modelos mais modernos têm em comum o fato de serem instituições financeiras, reguladas e supervisionadas pelo BCB, e que prestam seus serviços por meio de plataformas digitais. Contudo, o trabalho desenvolvido por essas fintechs de crédito e, por consequência, por seus empregados, é bastante diferente da figura tradicional do antigo bancário ou financiário, que saía às ruas prospectando clientes.

Como se sabe, no Brasil há outras modalidades de fintechs reguladas e supervisionadas pelo BCB que são classificadas como instituições de pagamento, nos termos da Lei 12.865/2013, mas cujo enquadramento sindical não se deu com a categoria de bancários ou financiários. A questão fica um tanto mais confusa, contudo, quando consideramos que na realidade do mercado as fintechs de crédito ou atuam em conglomerado prudencial que possui em sua composição instituições de pagamento – que por vezes inclusive lideram o conglomerado – ou possuem elas mesmas competências para realizar atividades próprias das instituições de pagamento, sendo reguladas como tal nesse tocante.

O sistema sindical brasileiro só permite que um sindicato, em determinada base territorial – o que chamamos de unicidade sindical – possa defender determinada classe de trabalhadores. Nesse sentido, o correto enquadramento sindical a ser realizado pela empresa é algo muito importante pois é nas Convenções Coletivas das categorias que encontramos os direitos, deveres e benefícios específicos que deverão ser observados como “Lei entre as partes.”

No caso do enquadramento como bancário ou financiário tal questão se torna ainda mais importante por conta da jornada de trabalho de 6 horas. A jornada reduzida dos bancários – que depois foi estendida aos financiários – foi idealizada pelo legislador por conta da atenção constante e o grau de responsabilidade que submetiam os empregados ao risco de fadiga. Os artigos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) são da década de 60, 70 e 80.

Já publicamos um artigo em 2019 chamando a atenção para o fato de que “não fazia o menor sentido em se equiparar a jornada dos bancários e dos antigos financiários aos empregados das modernas empresas ligadas à fintechs de crédito. Pagar 2 horas extras ao empregado que trabalha 8 horas diárias só porque a antiga lei e a Convenção Coletiva da categoria dos financiários assim determinou é algo que destoa da realidade mundial.”

Não demorou muito para que essa discussão chegasse à Justiça do Trabalho e, recentemente, o Tribunal Regional de São Paulo proferiu decisão no processo nº 1000793-72.2022.5.02.0032, afastando o enquadramento como bancário, tampouco como financiário, esclarecendo inclusive que o fato de uma empresa possuir um código perante o BCB se refere ao sistema de pagamento, e não à rede bancária comum.

Ao julgar um caso envolvendo uma instituição de pagamento que possui em seu conglomerado uma SCD, o entendimento da Desembargadora Relatora – Dra. Bianca Bastos – foi no sentido de entender que a atividade econômica das instituições de pagamento “(…) está centrada na prestação de serviços para habilitação de meios de pagamento entre o usuário final e o pagador, não se confundindo seu objeto social com a atividade privativa de instituição financeira. Inexiste similaridade da posição do autor com a de um bancário. Recurso ordinário a que se nega provimento.”

A discussão mais comum anteriormente encontrada na Justiça do Trabalho era com relação aos correspondentes bancários, cujas funções estão previstas na Resolução CMN nº 3.954/2011. O correspondente atua como uma espécie de intermediário, por conta e sob as diretrizes da instituição contratante, que assume inteira responsabilidade pelo atendimento prestado aos clientes e usuários por meio do contratado, à qual cabe garantir a integridade, a confiabilidade, a segurança e o sigilo das transações realizadas por meio do contratado, bem como o cumprimento da legislação e da regulamentação relativa a essas transações.

Desde o ano de 2020 o TST vem se posicionado no sentido de que “o empregado do correspondente bancário não se equipara ao empregado bancário, não fazendo jus ao enquadramento na categoria dos bancários ou financiários, nem ao pagamento de benefícios legais ou normativos daí decorrentes. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido”. (RR – 125600-46.2014.5.13.0004, Relator Ministro: BRENO MEDEIROS, Data de Julgamento: 10/02/2020, 5ª Turma, Data de Publicação: DEJT 28/02/2020).

Pode-se afirmar, portanto, que os Tribunais dão sinais positivos de começar a entender um pouco mais as reais diferenças entre as fintechs e as instituições tradicionais, valorizando a Lei nº 12.865/2013 e reconhecendo que a regularidade dessas empresas perante o BCB seria um argumento irrefutável de que enquadramento profissional com bancários ou financiários não é cabível.

Luiz Eduardo Amaral é
Mestre em direito do trabalho, sócio do FAS Advogados e membro pesquisador do GETRAB-USP

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