China controla protestos e passa a abrir inquéritos contra manifestantes

China controla protestos e passa a abrir inquéritos contra manifestantes

A repressão da China à maior onda de desobediência civil no país sob a liderança de Xi Jinping parece estar surtindo efeito e diminuindo o ímpeto das manifestações. Autoridades começaram a abrir inquéritos para apurar a participação de cidadãos em protestos, e há um grande contingente de policiais nas ruas das megacidades chinesas, como Pequim e Xangai.

Dois manifestantes que participaram dos atos na capital contra a política de Covid zero no final de semana disseram à agência de notícias Reuters que foram intimados a comparecer a delegacias para prestar depoimento sobre suas atividades nas manifestações.

Ainda não estão claras a forma como as autoridades identificaram esses manifestantes nem a possível dimensão jurídica desses inquéritos. O Departamento de Segurança Pública de Pequim não respondeu aos questionamentos da Reuters. Nesta terça-feira (29), um porta-voz da diplomacia chinesa afirmou que o exercício de direitos e liberdades está condicionado à estrutura da lei.

Grandes universidades da China, que concentraram alguns dos principais protestos desde o final de semana, suspenderam as aulas presenciais e mandaram seus alunos para casa. Segundo a agência Associated Press, a Universidade Tsinghua e outras instituições em Pequim e na província de Guangdong alegaram que a medida se deve a uma estratégia de contenção da alta de casos de Covid-19.

É fato que a curva de novas infecções subiu significativamente nos últimos dias, mas a decisão de mandar os estudantes para casa também é vista como uma tentativa de desmobilizar o ativismo nas universidades, historicamente uma espécie de incubadora de protestos.

A Universidade Tsinghua foi palco de uma manifestação no domingo (27). Começou com um gesto silencioso de uma estudante que levantou um cartaz em branco e, à medida que outros colegas se juntaram ao ato, reuniu cerca de 400 pessoas. No mesmo dia, o vice-secretário do Comitê do Partido Comunista na universidade foi ao local para encerrar o protesto, que durou pouco mais de duas horas.

Nesta terça, autoridades da instituição voltaram a se reunir com os estudantes para discutir as restrições ligadas à Covid. Alunos disseram ao jornal South China Morning Post que as medidas sanitárias foram o único tema do encontro, sem menções aos protestos ou indícios de responsabilização dos manifestantes.

O cenário, porém, é de insegurança. O aumento do policiamento e a perspectiva de abertura de novos inquéritos reforçam a atmosfera hostil a novos protestos. À Reuters, por exemplo, um universitário disse que ele e seus colegas estão deletando todo o histórico de conversas em aplicativos de mensagens.

Houve, no entanto, ações que podem ser vistas como concessões do regime. Restrições contra a Covid foram afrouxadas em cidades como Pequim, Guangzhou, Chongqing e Zhengzhou, que somam mais de 70 milhões de habitantes. Parte dos moradores -em particular idosos que ficam em casa, trabalhadores em home office e estudantes sem aulas presenciais- será dispensada da exigência de testes diários.

“Os problemas apontados pela população não visam a prevenção e o controle da epidemia em si, mas se concentram na simplificação das medidas de prevenção e controle”, disse nesta terça Cheng Youquan, supervisor da Administração Nacional de Controle e Prevenção de Doenças, acrescentando que as reclamações decorrem da implementação excessivamente zelosa das restrições, principalmente quando aplicadas com uma abordagem única para todos.

A Comissão Nacional de Saúde também anunciou nesta terça que vai intensificar os esforços para vacinar os chineses com mais de 80 anos. Além de reduzir o intervalo para as doses de reforço, haverá serviços de imunização prioritários e uma campanha publicitária para combater a hesitação vacinal. Segundo dados oficiais, 86,4% dos chineses com mais de 60 anos receberam ao menos duas doses do imunizante, e 68,2%, uma dose de reforço.

O regime de Xi também enfrenta agora uma nova crise diplomática com o Reino Unido em decorrência da denúncia de agressão feita por um jornalista da rede BBC que cobria os protestos em Xangai. A diplomacia britânica convocou o embaixador chinês no país para prestar esclarecimentos -gesto que, na praxe diplomática, simboliza grave insatisfação.

“É extremamente importante protegermos a liberdade da mídia”, disse nesta terça o secretário de Relações Exteriores James Cleverly. “É algo que está no cerne do sistema de crenças do Reino Unido, e é importante que os jornalistas possam fazer seu trabalho sem serem molestados e sem medo de ataques.”
A China respondeu de forma dura. A embaixada chinesa em Londres divulgou nota em que diz que o Reino Unido “não está em posição de julgar a política de Covid da China ou outros assuntos internos”.

O porta-voz da chancelaria em Pequim, por sua vez, foi além e acusou a BBC de estar “maliciosamente se fazendo de vítima”. Disse ainda que jornalistas não devem se envolver com atividades que não correspondam a seu ofício e apontou o que considera hipocrisia do Reino Unido ao listar episódios de violência da polícia britânica contra manifestantes, de repressão contra jornalistas e do que ele chamou de distorção da realidade em temas sensíveis para a China, como Hong Kong e Xinjiang.

Devido ao seu alcance territorial, a onda de protestos na China já vem sendo considerada a mais importante desde as manifestações de 1989, marcadas pelo massacre da praça da Paz Celestial.

Embora incomuns e rapidamente reprimidos e censurados na China, os atos contra o regime e, especificamente, contra Xi têm chamado a atenção para Pequim desde a semana que antecedeu o Congresso do Partido Comunista, em que o dirigente foi coroado com um inédito terceiro mandato. Na ocasião, cartazes espalhados em alguns pontos de Pequim chamavam-no de ditador e de traidor.

O regime chinês opta por manter a política de Covid zero, com duras restrições de liberdade e circulação, como sua principal estratégia para conter os efeitos da pandemia -a despeito do impacto econômico e de críticas de entidades como a OMS, cujo diretor-geral classificou as medidas de insustentáveis.

(Folhapress /Foto: Image Source/Folhapress)

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