China cita investimentos e diz que espera estabilidade do Brasil
O governo da China espera estabilidade no Brasil do governo Jair Bolsonaro, lembrando que tem mais de US$ 80 bilhões investidos no país.
“Como amigos do Brasil, esperamos que o país mantenha a estabilidade e o contínuo desenvolvimento”, afirmou Qu Yuhui (foto), ministro-conselheiro e porta-voz da embaixada do país asiático em Brasília.
Ele respondia uma questão feita pela Folha de S.Paulo acerca da grande instabilidade da semana passada, após o presidente fazer discursos golpistas ante multidões de apoiadores nos atos do 7 de Setembro -dois dias depois, Bolsonaro ensaiaria um recuo tático.
De forma previsível, Qu afirmou que “não cabe a nós comentar sobre os assuntos internos do Brasil”. Continuou, contudo: “Vale salientar que a China é um dos principais investidores no Brasil, com um volume de aportes em rápida ascensão” de US$ 80 bilhões e “40 mil empregos diretos”.
O governo Bolsonaro tem uma relação ciclotímica com seu maior parceiro comercial. Ideologicamente, a base bolsonarista adota um discurso anticomunista, e há uma coleção de episódios nos quais o presidente, ministros ou algum de seus filhos buscou criticar a ditadura de Pequim.
Quase sempre, como é padrão do grupo, ataques vinham seguidos de recuos e tentativas de pedidos de desculpa.
Na quinta passada (9), Bolsonaro por exemplo adotou um tom cordial e cooperativo durante a videoconferência com demais líderes do Brics, grupo cujo acrônimo inglês reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
“Essa parceria tem se mostrado essencial para a gestão adequada da pandemia no Brasil, tendo em vista que parcela expressiva das vacinas oferecidas à população brasileira é produzida com insumos originários da China”, disse o brasileiro.
A Folha perguntou a Qu se seria possível crer em tanta moderação.
“A afirmação sobre as relações sino-brasileiras feita pelo presidente Bolsonaro foi uma avaliação objetiva sobre as relações amistosas entre nossos dois países e a parceria bilateral de alto nível no contexto da pandemia”, disse.
“Nesta cúpula do Brics, o presidente Xi Jinping apresentou cinco iniciativas para promover o crescimento de alta qualidade da cooperação pragmática dentro do bloco. Esperamos trabalhar com o lado brasileiro para implementar os importantes consensos alcançados”, contemporizou.
Já Qu foi bem mais incisivo ao comentar um exemplo clássico da atitude bolsonarista ante a China, de forma indireta, se deu na semana retrasada.
Um dos filhos do ex-presidente americano Donald Trump acusou Pequim de buscar influenciar o resultado da eleição presidencial brasileira de 2022, para a instalação de um “governo socialista o qual possam maninpular” -o eufemismo para PT, no caso.
Donald Trump Jr. falou virtualmente em evento da CPAC (Conferência de Ação Política Conservadora), organizada pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho presidencial mais próximo dos trumpistas.
“São fantasias absurdas, totalmente descoladas da realidade, às quais manifestamos veemente objeção”, retrucou Qu.
“Instamos as personalidades norte-americanas a cessar suas manobras políticas para distorcer os fatos e fabricar mentiras contra a China”, completou.
Ele não comentou a proximidade entre Trump Jr. e o filho presidencial.
A Guerra Fria 2.0 é uma realidade entre EUA e China desde que Trump pai a inaugurou, em 2017. Um de seus pontos de atrito é a tecnologia de dados 5G –os EUA têm conseguido evitar que aliados comprem equipamentos da chinesa Huawei, a principal fornecedora do setor no mundo.
Aqui no Brasil, o leilão das bandas da tecnologia é marcado por diversos vaivéns, mas por ora a Huawei só está proibida de associar-se a operadoras na chamada rede privativa do governo, que trafega dados sensíveis à segurança nacional. O processo está travado.
Para Qu, o edital brasileiro “oferece condições relativamente equitativas de concorrência”. “Esperamos que o governo brasileiro continue a proporcionar às empresas chinesas, aí incluída a Huawei, um ambiente de negócios imparcial, aberto, transparente e livre de discriminação”, afirmou,
Ele enviou por iniciativa própria um comentário acerca da questão da origem no novo coronavírus, que um relatório de inteligência do governo americano diz poder ter sido resultado de um acidente de laboratório ou exposição humana a animal infectado.
Em maio, Bolsonaro chegou a citar, sem nomear diretamente, a China como interessada em uma “guerra biológica” com o vírus da Covid-19. Qu comentou as sugestões americanas feitas na mesma CPAC.
“Trata-se de uma acusação leviana e de má-fé”, afirmou, recorrendo por sua vez também a teorias conspiratórias que ganharam espaço na China nos dias anteriores à divulgação do relatório, em agosto.
“Os EUA são, de fato, o país que mais espalhou o vírus pelo mundo e que apresenta mais suspeitas no rastreio da origem do vírus. Provas científicas indicam que as infecções pelo novo coronavírus em várias cidades norte-americanas aconteceram muito antes dos primeiros casos registrados no país”, disse.
Ele citou inclusive a insinuação, divulgada por diplomatas e jornalistas chineses, de que “há muitas dúvidas em torno do laboratório de Fort Detrick [centro de estudos de doenças infecciosas] e das mais de 200 bases ultramarinas para experimentos biológicos”. (Igor Gielow – Folhapress)