Caça russo dispara míssil perto de avião de espionagem britânico
Em meio à enorme tensão entre a Rússia e o Ocidente com a Guerra da Ucrânia, um caça de Moscou disparou um míssil enquanto interceptava um avião-espião do Reino Unido, o tipo de incidente que pode levar a confrontos inesperados.
O caso foi relatado ao Parlamento britânico pelo ministro da Defesa do país, Ben Wallace, que antes de se pronunciar fez uma consulta presencial com o governo americano em Washington.
“Em 29 de setembro, um RC-135 River Joint da Força Aérea Real desarmado, avião semelhante a uma aeronave civil em patrulha sobre o mar Negro, foi abordado por dois caças russos Su-27 armados”, afirmou. “Durante a interação, que não é inusual, um dos Su-27 soltou um míssil nas proximidades do River Joint, além do campo visual.”
Segundo Wallace, Londres procurou seu par russo, Serguei Choigu, para se queixar. Em 10 de outubro, o Ministério da Defesa de Moscou se desculpou pelo que chamou de falha técnica.
“O Ministério da Defesa do Reino Unido compartilhou essa informação com aliados e, após consulta, eu recomecei as patrulhas de rotina, mas agora escoltadas por caças. Tudo está sendo feito de forma calibrada acerca do conflito e da lei internacional”, afirmou.
Os RC-135 fazem patrulhas no mar Negro desde 2019. O incidente, disse Wallace, ocorreu em espaço aéreo internacional. Em 2021, houve uma séria altercação na região quando britânicos conduziram uma provocativa travessia com um navio de guerra por águas da Crimeia anexada pelos russos. A resposta foram tiros de um barco da Guarda Costeira e quatro bombas jogadas na rota à frente por bombardeiros.
O fato de um incidente deste tipo, grave mesmo em tempos de paz, ocorrer nas proximidades da Ucrânia conflagrada pela invasão russa de 24 de fevereiro mostra os perigos envolvidos no atual ambiente.
Caças interceptam aviões de reconhecimento e patrulha todas as semanas em diversos teatros do mundo, com os mares Báltico, Negro e Pacífico Ocidental como alguns dos principais palcos. Também voos próximos de espaço aéreo rival, às vezes como rápidas intrusões, para testar a velocidade de resposta -como a China faz com Taiwan toda semana e os russos arriscaram com a Suécia recentemente.
Um dos riscos sempre assumidos é o de uma colisão acidental, como ocorreu com um caça chinês e um avião-espião americano em 2011. Mas coisas piores podem ocorrer.
Em 2019, uma patrulha conjunta russo-chinesa de bombardeiros estratégicos voou próxima do espaço aéreo da Coreia do Sul, que alegou invasão e despachou caças F-15 e F-16. Segundo o relato de Seul, eles deram 380 tiros de advertência, o que Moscou negou, mas que parece ter sido o caso.
Um míssil ser “solto”, na definição cuidadosamente imprecisa de Wallace, é uma raridade. Nada indica que os russos dispararam de forma objetiva, marcando o avião britânico como alvo, mas fica implícita a possibilidade de uma intimidação.
Todo dia, dezenas de drones de alta altitude e aviões de espionagem eletrônica e visual da Otan (aliança militar ocidental) operam na região do mar Negro, monitorando os movimentos russos na guerra.
Moscou acusou os EUA inclusive de ajudar a orientar diretamente com um drone desses o ataque ucraniano que expulsou suas forças da estratégica ilha da Cobra, um rochedo próximo da costa romena.
Wallace tentou acalmar os parlamentares acerca da natureza de sua visita a Washington. Feita de surpresa, ela levantou especulações sobre o tema, já que ocorre na semana em que a Otan começou seu exercício de simulação de ataque nuclear na Europa -concentrado neste ano sobre Bélgica, Reino Unido e mar do Norte.
A aliança espera que os russos iniciem suas manobras análogas, geralmente mais amplas, até a semana que vem. Isso tudo no momento em que o Kremlin afirma que pode usar armas nucleares para defender os territórios que anexou no dia seguinte ao incidente do caça, e que colocou sob lei marcial nesta quarta (19).
“Fui ao Pentágono, ao Departamento de Estado, entre outros encontros, e asseverei que todos nós entendemos nossos processos de planejamento sobre o que fazer no caso de uma grande série de coisa”, afirmou Wallace, completando de forma inconvincente: “Não acho que as pessoas devam ficar alarmadas”.
Não se viam movimentações tão sensíveis na Europa desde 1983, quando a percepção da União Soviética de que poderia ser alvo de um ataque nuclear preventivo durante uma série de manobras da Otan, somada a episódios como a derrubada de um Jumbo da Korean Airlines no espaço aéreo do regime comunista, quase levou o mundo à guerra.
O Reino Unido opera três RC-135W, um avião desenvolvido pela Boeing nos anos 1970 a partir de uma estrutura semelhante à do modelo comercial 707. Já o Su-27 é a base da força de caças russos, tendo dado origem a uma família conhecida no Ocidente como Flanker, cujo modelo mais moderno é o Su-35, em ação na Ucrânia.
(Igor Gielow – Folhapress /Foto: Pedro Ladeira/Folhapress)