Ato com Bolsonaro no Rio pode ter ferido códigos penal, de trânsito e do Exército com 3 potenciais infrações
Ao menos três potenciais infrações -do Código Penal, do Código de Trânsito Brasileiro e do Regulamento Disciplinar do Exército- podem ter sido cometidas pelo presidente Jair Bolsonaro ou por seus apoiadores durante ato no domingo passado no Rio de Janeiro, avaliam advogados consultados pela reportagem.
Três dias após dizer que teve novos sintomas da Covid-19, Bolsonaro reuniu milhares de pessoas em um passeio de motocicleta da zona oeste à zona sul da cidade. O presidente cumprimentou os presentes sem utilizar máscara, desobedecendo decreto estadual em vigor que obriga seu uso mesmo em ambientes públicos.
Três entre quatro advogados criminalistas ouvidos pela reportagem avaliam que, em tese, Bolsonaro e qualquer pessoa que não tenha utilizado máscara durante o ato cometeu uma infração criminal, prevista no artigo 268 do Código Penal: “Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”.
A pena prevista é de detenção de um mês a um ano e multa. No caso do presidente, caberia à PGR (Procuradoria-Geral da República) apresentar uma denúncia ao STF (Supremo Tribunal Federal), e um eventual processo precisaria ser aprovado pela Câmara dos Deputados.
O advogado João Paulo Martinelli, professor de processo penal no Ibmec-SP, lembra que os decretos de âmbito estadual e municipal que visam o enfrentamento à pandemia são de amplo conhecimento e que pode ter havido, inclusive, dolo (consciência e vontade do autor) na ação do presidente.
“Considerando que já houve autuação [de Bolsonaro] no Maranhão por algo semelhante, vejo que há até dolo em infringir essas regras. Não precisa haver contaminação efetiva de uma pessoa para configurar o crime previsto no artigo 268. A partir do momento que infringe a lei, presume-se que esse comportamento é perigoso”, diz.
A advogada Daniella Meggiolaro, presidente da Comissão de Direito Penal da OAB/SP, concorda com a avaliação de que possa ter havido dolo por parte de Bolsonaro.
“Mais do que cometer um crime contra a saúde pública, previsto no artigo 268, o próprio exemplo é muito grave. [A obrigação do] uso de máscara todo mundo conhece, não dá para alegar que não sabe. Especialmente por ele ter tido sintomas, acredito que está bem enquadrado [no tipo penal]”, afirma.
Durante a “motociata” de domingo, a reportagem identificou diversas placas adulteradas, ou mesmo a inexistência de placa, entre as motocicletas dos apoiadores de Bolsonaro.
O artigo 221 do Código de Trânsito Brasileiro identifica como uma infração de gravidade média portar no veículo placas de identificação em desacordo com as especificações do Conselho Nacional de Trânsito. A penalidade é multa, com retenção do veículo para regularização.
Martinelli ressalta que adulterar placas também é uma transgressão ao Código Penal, que no artigo 311 prevê pena de três a seis anos, e multa, para o crime.
Por fim, outra infração durante o ato a favor de Bolsonaro teria sido cometida pelo general da ativa Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde. Além de não ter utilizado máscara, ao participar de uma manifestação política Pazuello desobedeceu ao regulamento disciplinar do Exército.
Instituído por decreto em 2002, o regulamento lista 113 transgressões possíveis. A de número 57 é a que mais se aplica ao caso do general: “Manifestar-se, publicamente, o militar da ativa, sem que esteja autorizado, a respeito de assuntos de natureza político-partidária”.
Nas redes sociais, muitos questionaram se o presidente teria realizado propaganda eleitoral antecipada ao participar do ato político. Todos os quatro advogados especialistas em direito eleitoral consultados pela reportagem rejeitaram a hipótese.
Eles lembraram que o artigo 36 da Lei das Eleições afirma que, para configurar propaganda antecipada, deve haver pedido explícito de voto, menção à candidatura ou exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos.
“A propaganda antecipada só é caracterizada quando tem efetivo pedido de voto. Foi um ato com nítido caráter político eleitoreiro, mas juridicamente não seria possível caracterizar”, afirma Ana Fuliaro, doutora em direito pela USP e membro da equipe do Fidalgo Advogados.
O advogado Fabricio Medeiros, professor do Ibmec e do IDP no Distrito Federal, também afirma que o ato foi político, mas concorda que não estão presentes os requisitos da propaganda eleitoral antecipada. “A legislação a partir de 2015 passou a permitir esse tipo de situação, o debate político livre, mesmo em anos entre eleições”, diz.
Possíveis infrações em ato com Bolsonaro no Rio
Penal
Por não utilizar máscara, Bolsonaro teria cometido a infração criminal prevista no artigo 268 do Código Penal: “Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”. Além disso, alguns apoiadores teriam adulterado placas das motocicletas, crime previsto no artigo 311.
Trânsito
Alguns manifestantes teriam cometido uma infração de gravidade média prevista no artigo 221 do Código de Trânsito Brasileiro: portar no veículo placas de identificação em desacordo com as especificações do Conselho Nacional de Trânsito.
Regulamento do Exército
Ao participar de ato político, o ex-ministro e general da ativa Eduardo Pazuello teria infringido o Regulamento Disciplinar do Exército, que lista como transgressão “Manifestar-se, publicamente, o militar da ativa, sem que esteja autorizado, a respeito de assuntos de natureza político-partidária”. (Ana Luiza Albuquerque – Folhapress)