Ação entre amigos: presidente da Capes nomeia sua aluna para diretoria internacional
A presidente da Capes, Claudia Mansani Queda de Toledo (foto), nomeou para a diretoria de Relações Internacionais do órgão uma advogada e professora que ainda não terminou o doutorado.
A nova diretora, Lívia Pelli Palumbo, 35, faz pós-graduação no Centro Universitário de Bauru, instituição de ensino que é da família da presidente da Capes. Lá também estudou o ministro da Educação, pastor Milton Ribeiro.
A presidente da Capes, além disso, orienta a nova diretora de Relações Internacionais em seu doutorado.
Ligada ao MEC (Ministério da Educação), a Capes é a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Trata-se do órgão de regulação, avaliação e fomento da pós-graduação no país.
Palumbo foi nomeada na quarta-feira passada em substituição a Heloísa Hollnagel, professora da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). O fato de ela ainda não ter completado a pós-graduação gerou críticas entre acadêmicos.
Em abril, a nomeação da presidente da Capes também havia provocado reações negativas pela fragilidade de seu currículo. Causou desconfiança entre acadêmicos o fato de ela ter se doutorado e ter sua carreira acadêmica vinculada à instituição da própria família.
De acordo com o currículo Lattes, Lívia Palumbo formou-se em direito também no Centro Universitário de Bauru (antes chamado Instituto Toledo de Ensino), onde finalizou o mestrado em 2013. O doutorado, sobre sistema constitucional de garantia de direitos, orientado por Claudia Toledo, foi iniciado em 2018 e ainda não acabou.
Em nota, a Capes afirmou que a nova diretora cumpre “todos os requisitos legais e de competência” para o cargo. O órgão diz que o doutorado não é requisito para a posição e que ela defenderá sua tese em breve.
“A pós-graduação brasileira, principalmente no tocante às ações de cooperação internacional, poderá contar com a nova diretora no desenvolvimento de relevantes projetos”, diz a nota.
A Capes também ressaltou que ela tem “formação em cursos na área jurídica, na Itália e nos Estados Unidos”. Segundo o Lattes, essas duas experiências compreendem uma especialização na Universidade de Pisa (Itália) e uma formação complementar na Universidade de Delaware (EUA), ambas de 100 horas.
Palumbo passa a comandar a área na Capes responsável pelas atividades de internacionalização da pós-graduação brasileira, o que envolve negociações e celebração de cooperações internacionais. Não consta em seu currículo qualquer experiência relacionada a essas atividades.
Consta na plataforma Lattes que, desde 2019, ela é docente do curso de direito do Centro Universitário de Bauru. Leciona também, desde 2013, no IMEB (Instituto Municipal de Ensino Superior de Bebedouro Victório Cardassi), na cidade de Bebedouro (SP).
A graduação de direito do IMEB tem conceito Enade 3, o mínimo exigido. O desempenho posiciona o curso na 581º posição entre as graduação dessa área no país, segundo o Enade 2018, o mais recente que avaliou essa carreira. O Enade é a prova feita pelo alunos concluintes.
A nova diretora menciona no Lattes a USP (Universidade de São Paulo) entre seus vínculos institucionais. Mas ela não tem relação com a universidade, somente com um site privado de cursinhos de preparação para concursos públicos, citado também no currículo -o projeto integra uma incubadora de tecnologia da USP.
Há ainda menção a artigos publicados em uma revista acadêmica conhecida no setor como predatória, por cobrar pela publicação e não ter revisão por pares. A nova diretora também elenca no Lattes, a título de realizações acadêmicas, atividades triviais como reuniões de docentes, inclusive como ouvinte.
O professor Fernando Cássio, da UFABC (Universidade Federal do ABC), critica a nomeação de pessoa sem experiência com internacionalização, com projetos de pesquisa no exterior e sem carreira internacional de pesquisa relevante.
“Quem ocupa uma diretoria de relações internacionais na Capes, responsável por editais internacionais de milhões de reais, tem que ter trânsito e experiência para negociar com instituições, agências de fomento de outros países, celebrar cooperação”, diz. “É fisiologismo mesmo, não há condições de falar que ela tem a competência esperada.”
Cássio ressalta o registro de publicações acadêmicas em revistas consideradas predatórias, o que também havia no currículo da presidente da Capes. Claudia Toledo chegou a admitir cópias de trechos em sua dissertação de mestrado, mas negou que houve plágio.
“A gente vê o que acontece na Capes, no MEC, no CNPq [cujos sistemas sofreram um apagão], e parece um esforço do governo para escarnecer com a universidade, com a academia, com a pesquisa, não há nenhum compromisso.”
A presidente da ANPG (Associação Nacional de Pós-Graduandos), Flávia Calé, disse que não há impeditivo legal para a nomeação e a entidade não faz uma avaliação a priori sobre a nova diretora.
“Esperamos que essa nova diretora receba nossa pauta, em um momento muito sensível da pandemia, e nos ajude a vencer e solucionar nossas agendas”, diz.
O Sindicato Nacional dos Gestores Públicos em Ciência e Tecnologia expressou, em nota, preocupação com a nomeação. “Não nos parece adequado nomear para ocupar um cargo de direção alguém que ainda não concluiu sua formação pós-graduada, e que principalmente, não possui nenhuma experiência e conhecimentos consolidados em cooperação internacional”.
A professora que ocupava essa diretoria, Heloísa Hollnagel, foi levada ao cargo pelo ex-ministro Abraham Weintraub. Há relatos internos de que ela tinha uma relação difícil com os servidores.
Antes do governo Jair Bolsonaro, a diretoria era liderada, de 2016 a 2019, pela professora da UnB (Universidade de Brasília) Concepta Margaret McManus Pimentel. Conhecida como Connie, ela tem formação no Reino Unido e doutorado em Oxford (Inglaterra), além de ser revisora de 38 revistas nacionais e internacionais.
O ITE, ou Centro Universitário de Bauru, teve entre seus alunos o ministro da Educação e também o ministro André Luiz Mendonça (Advocacia-Geral da União), indicado por Bolsonaro para o STF (Supremo Tribunal Federal).
A instituição possui apenas um curso de pós-graduação, de Sistema Constitucional de Garantia de Direitos. O mesmo no qual a presidente da Capes obteve seu doutorado e agora orienta a nova diretora de Relações Internacionais.
A última avaliação periódica da Capes, de 2017, conferiu ao programa nota 2, insuficiente para seu funcionamento. Em uma segunda análise, o Conselho Técnico-Científico da Capes ressaltou as falhas e manteve a mesma avaliação.
No entanto, o programa conseguiu uma revisão da nota em um último recurso, dessa vez direcionado à presidência da Capes. Tanto o mestrado quanto o doutorado passaram à nota 4. (Paulo Saldaña – Folhapress)