Acampamento em Brasília quebra tabu e impulsiona candidaturas indígenas
Ainda não há santinhos ou indicações de números para voto, mas o clima da corrida eleitoral esteve presente no Acampamento Terra Livre, organizado por lideranças indígenas em Brasília (DF) e que termina nesta quinta (14) após dez dias de mobilização.
Pela primeira vez, o evento teve entre seus principais temas as candidaturas indígenas, enquanto mobilizava, segundo seus organizadores, 8.000 indígenas de 200 etnias diferentes. Na última terça (12), quando a participação política foi debatida, os indígenas receberam a visita do ex-presidente Lula (PT).
Mais de 30 pré-candidatos a cargos no Legislativo estiveram presentes, segundo a Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), com pelo menos dez pretendentes a uma vaga no Congresso Federal.
A importância dada ao tema aparece no mote do acampamento deste ano, “demarcar territórios e aldear a política”, e é expressiva para um movimento que, por muitos anos, rejeitou a ideia de entrar na política institucional –chamada por eles de a “política do branco”.
“Era um tabu. Mudou o fato de termos um exemplo, mas também a necessidade de se fazer mudanças no Congresso Nacional, que vem sendo usado para passar por cima de questões ambientais e de direitos e terras indígenas nos últimos anos”, diz Joenia Wapichana, deputada federal pela Rede, de Roraima.
Ela própria é tida como marco dessa mudança de paradigma, por ser a primeira mulher indígena eleita para a Câmara, em 2018, em um mandato avaliado por outras lideranças como positivo.
“Foi feita uma análise de que o momento é de eleger representantes indígenas. A gente reclama que não tem recursos para as comunidades, mas quem decide isso? Os parlamentares, que são muitas vezes eleitos com votos indígenas”, completa ela, que tentará a reeleição.
Para Kerexu Yxapyry, coordenadora executiva da Apib e pré-candidata pelo Psol de Santa Catarina a deputada federal, a atuação política da comunidade indígena vem amadurecendo nos últimos anos.
“Hoje nós temos menos pré-candidatos que em 2018, mas concentrando nomes com maior força”, afirma.
A Apib aposta em lideranças indígenas mais consolidadas, como ela, Sônia Guajajara, que chegou a ser candidata à vice-presidente na chapa de Guilherme Boulos, pelo PSOL, em 2018, e Célia Xakribá, dentre outras.
“Há quatro anos já começamos esse diálogo sobre as candidaturas indígenas e, nesse ano, chegamos à conclusão de que não basta só apresentarmos candidatos para disputar os espaços, precisamos nos unir para indicar candidatos e candidatas para que essas tenham a força dos povos indígenas para ocupar esse lugar”, afirma ela.
A Apib vem intensificando o apoio a candidaturas e, em 2020, criou o movimento chamado “campanha indígena”, que visa impulsionar lideranças de povos para a política.
Joenia e Kerexu ressaltam que o movimento indígena não é homogêneo, mas entendem que houve um importante avanço na articulação entre as diferentes frentes para a escolha das pré-candidaturas de acordo com sua maior possibilidade de eleição –tática clássica dentro da política tradicional.
“Foi um dos temas eleitos pela coordenação da Apib como prioritários. Um é o das demarcações, como sempre, e outro a questão de ‘aldear a política’, incentivar a participação indígena nas instâncias políticas”, diz Luiz Eloy Terena, advogado e coordenador jurídico da Apib.
“Nossos caciques sempre defenderam que o movimento indígena não deveria se envolver com partidos. Mas nos últimos anos percebemos que, para chegar nos espaços de participação política, necessariamente temos que passar por isso. Então, desde 2018, se quebrou esse tabu”, completa.
Além de Lula, o acampamento também teve a participação de uma série de outras figuras políticas, uma delas a ex-senadora Marina Silva.
Em pré-campanha para o Planalto, o petista tenta firmar oposição ao seu maior rival na corrida eleitoral, Jair Bolsonaro (PL), de longe o principal desafeto político das lideranças do acampamento.
Em pouco mais de três anos de governo, o país registrou recordes de desmatamento e queimadas, fatos minimizados pelo presidente. Bolsonaro também é explícito defensor do avanço do garimpo mesmo em terras indígenas e contrário à demarcação desses territórios.
Em contraposição ao rival, Lula prometeu dar aos indígenas um ministério próprio e seguir as reivindicações apresentadas pela Apib em uma carta.
Uma delas é a “garantia de recursos suficientes para a identificação, delimitação, declaração, demarcação e homologação imediata de todas as terras indígenas até o final de 2026”.
A demarcação das terras indígenas, inclusive, segue como pauta principal do acampamento, que neste ano celebrou sua 18ª edição, e os projetos de lei 191 e 490 que tramitam no Congresso foram os mais debatidos no encontro indígena.
O primeiro é o que viabiliza a mineração mesmo em territórios indígenas. Foi em razão deste projeto, inclusive, que o evento durou duas semanas, ao invés dos tradicionais sete dias de mobilização em Brasília.
Já o projeto 490 é o que trata do marco-temporal, tese segundo a qual indígenas só podem ter direito sobre terras que já estavam ocupadas por eles até 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.
Hoje, a Constituição diz que não há data para marcar quais terras devem ou não ser consideradas como posse dos indígenas, e a decisão acerca disso recai sobre um corpo técnico da Funai.
Também o Supremo Tribunal Federal debate este mesmo tema e uma decisão divergente ao PL pode derrubá-lo mesmo que este seja aprovado no Congresso.
(João Gabriel – Folhapress/ Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil)